Os lados trágicos da campanha


J.-M. Nobre-Correia
Há qualquer coisa de trágico na campanha atual para as eleições europeias de domingo. De triplamente trágico até.
O primeiro aspeto trágico é o que leva a constatar que as questões europeias são pura e simplesmente ignoradas, evacuadas, pelos diferentes partidos políticos. Que são afinal temas da vida nacional (e até mesmo quase apenas esses) que dão pretexto às declarações de uns e de outros. Como se não houvesse problemáticas próprias da União Europeia, que se encontra manifestamente em crise há uns dois decénios e da qual, quer se queira quer não, Portugal é um país membro. E como se não se assistisse a uma tremenda e inquietante derrapagem da atual União Europeia em relação ao projeto fundador e ao discurso encantatório dos eurocratas de Bruxelas e de Estrasburgo.
O segundo aspeto trágico é o que consiste em ver que o Partido Socialista não tem um discurso, uma análise sobre a União Europeia diferente dos partidos da direita governamental (reunidos na chamada Aliança Portugal, do PSD e do CDS). Que toda a sua campanha se construiu quase unicamente em torno da perspetiva de um futuro regresso ao governo nacional. Mas é verdade que os partidos socialistas, sociais-democratas (no sentido europeu da palavra) ou trabalhistas deixaram de ter um projeto político reformista no plano nacional e muito menos o têm no plano europeu. Deixando nomeadamente a Comissão Europeia funcionar em total autonomia em relação aos mais elementares princípios da democracia representativa dos cidadãos eleitores.
O terceiro aspeto trágico é o que obriga a constatar que o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português tomam o Partido Socialista como principal alvo dos seus ataques. O que é particularmente manifesto e chocante no caso do PCP. Só que, por este andar, incapaz de uma estratégia política realista e de uma indispensável inserção social, o BE corre o risco de se transformar ainda mais num grupúsculo de intelectuais universitários, sem capacidade de intervenção na política concreta, nacional ou local. Enquanto que, no que diz respeito ao PCP, uma pergunta essencial se impõe : contam os comunistas ficar encurralados num estatuto puramente tribunício ? Isto é : serem eternamente um partido de líderes que fazem belos discursos de tribuna, mas automarginalizados e totalmente incapazes de influência na vida governamental ? Continuará o partido inapto em assumir a mais pequena responsabilidade concreta a nível nacional ?
Caso seja respondido pela negativa a estas interrogações — até porque o objetivo teórico de qualquer partido é chegar ao poder —, como nada deixa prever que o PCP possa a breve trecho vir a ser eleitoralmente maioritário (sozinho ou em aliança com o BE, suponhamos), com quem é que o PCP (mais o BE, eventualmente) poderá vir a governar se não com o PS ?
Desta última pergunta se poderá tirar uma conclusão em forma interrogativa : não será partindo desta hipótese que o PCP (sozinho ou com o BE) poderá levar o PS a fazer as inevitáveis concessões em vista de um programa comum governamental (ou de simples maioria parlamentar) ? Obrigando desde logo o PS a adotar posições mais reformistas, mais progressistas do que as que têm sido as suas em governos de maioria absoluta ou mesmo de maioria relativa ?
É verdade que, para que uma política de esquerda progressista seja possível em Portugal, o Partido Socialista tem que abandonar o seu anticomunismo primário de origem. Mas o Partido Comunista tem também que libertar-se dos estigmas de uma clandestinidade (honrosa mas quase solitária) e assumir-se definitivamente como força não só parlamentar mas também governamental. Em nome da urgência que há neste país de um projeto operacional marcado pela inovação, a modernidade e a justiça social…

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