Um voto problemático
J.-M. Nobre-Correia
É preciso ter frequentado longamente as
instituições europeias em Bruxelas para saber a que ponto os seus serviços de
comunicação constituem um autêntico arsenal de propaganda. E que tudo é feito
para seduzir afrontosamente jornalistas e média. Todas as facilidades lhes são
oferecidas num ambiente geral de opulência. Do momento, é claro, em que o que
os jornalistas escreverem, disserem ou mostrarem for globalmente favorável às instituições
e aos seus responsáveis. De outro modo, a marginalização dos “ingratos” será
discretamente decretada. Não se admirem pois se o que os média portugueses
dizem da União Europeia é assim globalmente tão positivo, tão encantador, tão
inevitável…
Fora de Bruxelas, de Estrasburgo e de
Luxemburgo-Cidade, os cidadãos nem sequer imaginam o luxo de meios em que vivem
os funcionários, os responsáveis, os membros de comissões e os diversos
eleitos. Salários astronómicos e condições de trabalho privilegiadas. Pelo que
esta gente é muito querida pelas autoridades das três cidades evocadas (pois aí
gastam grande parte das remunerações) e detestados pelos outros cidadãos (que
os veem usufruir de regalias e levar um estilo de vida muito acima daquele que é
o deles).
Os funcionários das instituições europeias são
ultra-numerosos (pois é preciso respeitar as quotas por nacionalidades) e, na
sua grande maioria, não são precisamente uns forçados do trabalho. Não admira,
visto que, em boa parte dos casos, não foram selecionadas em função de
critérios de competência, mas sim porque são “afilhados” dos partidos políticos
no poder como na oposição nos países de origem. Enquanto que os responsáveis
das diversas instituições vivem globalmente em autonomia, fora de qualquer
controlo dos cidadãos eleitores e, desde logo, impunemente, sem lhes prestarem
quaisquer contas.
Boa parte dos principais altos responsáveis são aliás
pessoas de somenos importância, escolhidos pelos chefes de Estado ou de governo dos países membros, de modo a que se mostrem perfeitamente servis e
não ousem opor-se a que estes “padrinhos” tomem as decisões que muito bem lhes
aprouver. Os exemplos atuais do presidente da Comissão Europeia e da alta
representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros são duas
perfeitas ilustrações da manifesta incompetência reinante nas altas esferas das
instituições europeias.
Quanto aos parlamentares, os partidos designam
antes do mais gente que querem afastar da vida política nacional para não
continuarem a criticar, a atacar os líderes dos partidos o do governo. Gente
que poderia continuar a constituir uma alternativa dentro do partido. Ou gente
que é preciso compensar por serviços prestados ao partido. E a tentação em
termos de retribuições, mordomias e demais alcavalas, como em termos até de
turismo, é demasiado forte para que os escolhidos possam resistir. Os exemplos
destas motivações são por demais conhecidos no que diz respeito a Portugal…
Numa perspetiva mais larga, muitos dos europeus
convictos, muitos daqueles para quem a experiência da Europa não foi ou é
apenas de natureza turística, estão porém desiludidos com a evolução da União
Europeia. Uma união que passou a ser cada vez mais um simples mercado único
entregue a uma dinâmica económica puramente liberal, marcada por um capitalismo
desenfreado, que ignora os mais elementares princípios da justiça social e
prefere evacuar o princípio do respeito pelo(s) Estado(s) de direito.
Que atitude adotar então em matéria de eleições
para o Parlamento Europeu ? Votar, não votar ? E por quem votar ? No caso
português, num país que foi durante tantos decénios privado de verdadeiras
eleições, há qualquer coisa de chocante em preconizar agora de “votar com os
pés”, não se apresentando sequer na mesa de voto. Se os votos em branco fossem
tomados em conta na atribuição dos lugares no parlamento (deixando portanto boa
parte dele vazio), isso constituiria então uma boa solução para, como
preconizava José Saramago no seu Ensaio
sobre a lucidez, mostrar claramente que se deixou de acreditar nesta União
Europeia e que se experimenta um profundo desprezo pelos que a dirigem. Mas não
é o caso.
Há pois que votar, por dever de cidadania. Sabendo
porém que, qualquer que seja a escolha do eleitor, o seu voto será de pouca ou
nenhuma importância nos destinos na União Europeia. E que, em matéria de
Comissão Europeia, pouco distingue os candidatos das grandes “famílias
políticas” para a presidência, o eleito, seja ele qual for, passando a dispor
de uma margem de manobra muito limitada nas suas eventuais iniciativas (embora
haja um grau de competência em matéria governamental claramente diferente entre
os candidatos anunciados).
Daí que, no caso português, o voto só possa ter
sentido se for formulado em termos nacionais, de política interna. Até porque
os partidos que se apresentam a votos pouco se preocuparam em fazer propostas
originais fortes para o futuro da União Europeia…