A incompreensão da História
J.-M. Nobre-Correia
Abdicação : Juan Carlos de Borbón decide retirar-se do poder, surpreendendo os
espanhóis. E os diários madrilenos reagem como se nada tivesse mudado desde há
cinquenta anos…
Foi tempo em que
muitos diários tiravam várias edições ao longo do dia. Os editores queriam
acompanhar a atualidade e propor aos leitores os seus últimos desenvolvimentos.
Até porque os hábitos de aquisição dos jornais eram diversos : antes de ir para
o trabalho, à hora de almoço, à saída do trabalho, antes de voltar a casa para
jantar,… Fim dos anos 1960, princípios dos anos 1970, jornais havia na Europa
do centro-norte que tiravam ainda sete edições diárias !
A multiplicação
dos jornais nas rádios e nas televisões, nos anos 1960-70, veio fazer abrandar
esta estratégia comercial. E o aparecimento das rádios e das televisões de
informação contínua, a partir dos anos 1980, pôs-lhe fim, deixando compreender
aos editores que era necessário repensar o posicionamento dos diários. A função
social destes deixava de ser anunciar a atualidade, pelo menos no que dizia
respeito aos grandes acontecimentos : era preciso agora ir mais longe na
perspetivação, na interpretação, na tomada de posição.
Com a internet a
partir do fim dos anos 1990, este necessário reposicionamento tornou-se mais
flagrante, mais urgente. Os editores tinham que renunciar largamente a uma
história secular e conceber os jornais de maneira totalmente nova e diversa. Em
termos editoriais, mas também em termos comerciais. Mas a grande maioria dos
editores continua a não perceber o que isto quer dizer…
A abdicação de
Juan Carlos de Borbón, em Espanha, deu uma prova flagrante desta incapacidade
em conceber os jornais de outro modo. A “Casa Real” anunciou-a por Twitter na
segunda-feira, às 10h39. Quatro diários “nacionais” madrilenos decidiram fazer
uma segunda edição nesse dia. El País
anunciava “El Rey abdica”, El Mundo
“El Rey abdica ‘porque es lo mejor para Espanã’”, o ABC “Juan Carlos I abdica em Felipe VI” e La Razón “Gracias , Don Juan Carlos”. Títulos de primeira página
bem pouco imaginativos, sem mais valia, quando poucos terão sido os que tomaram
conhecimento da notícia pelos jornais. Admirem-se depois…
Texto publicado no Diário de Notícias, Lisboa, 7 de junho de 2014, p. 44.