Sem conta, peso e medida


J.-M. Nobre-Correia
Futebol : Os média de informação acentuaram estes dias uma prática de cobertura da atualidade em que acontecimentos importantes foram apenas evocados ou mesmo ignorados…

Editores e diretores de jornais (impressos, radiofónicos ou televisivos) poderão gargarejar-se com palavras como “empresa”, “estratégia comercial” e outras mais. E sobretudo com “negócio” e “produto”, termos que afeiçoam. E todas essas palavras têm de facto uma relação com a realidade económica dos média de informação. Só que há outra realidade que não podem evacuar : os média são também instituições de caráter cultural, no sentido largo da palavra.

Quer isto dizer que a maneira como os média cobrem a atualidade, como concebem a informação, tem repercussões evidentes na perceção que os cidadãos têm do mundo e da própria vida quotidiana. Pelo que, em termos jornalísticos, é absolutamente essencial conceber uma hierarquização da atualidade em função do posicionamento editorial do média e, por conseguinte, do seu público alvo. Mas é-o também em termos de estratégia comercial, de modo a propor um “produto” adequado às especificidades e necessidades do público potencial.

Ora, a maneira altamente descomedida como os média de informação portugueses cobrem a atualidade futebolística só pode suscitar interrogações. Nomeadamente sobre a adequação aos seus públicos potenciais. Sobretudo quando se trata de média de serviço público ou “de referência”. Com o risco de levarem os públicos-alvo a renunciarem progressivamente a frequentá-los, a mudarem de hábitos, e, no caso dos jornais, a deixarem de comprá-los.

Porque a verdade é esta : o futebol é um divertimento que encanta e apaixona muita gente. Mas é antes do mais isso : um divertimento, percebido como tal por muita outra gente. Gente esta que não compreende, nem aceita que equipas, treinadores, selecionadores, dirigentes, jogadores possam constituir demasiadas vezes o tema de abertura dos jornais. Que se lhes possam consagrar um volume de páginas ou de tempo, de reportagens, entrevistas, conferências e diretos absolutamente descomedido. Até porque há quase sempre acontecimentos mais determinantes da vida quotidiana dos cidadãos…


Texto publicado no Diário de Notícias, Lisboa, 28 de junho de 2014, p. 43.

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