As belas histórias do microcosmos…


J-M. Nobre-Correia

Média : No Sol da semana passada, José António Saraiva relata três ou quatro episódios do meio mediático-jornalístico particularmente significativos da maneira como funciona e dececiona…

Aparentemente, ninguém reagiu. Questão de hábito, de tradição, de cultura nacional, dirão alguns. É possível. Só que, para além da fronteira portuguesa, um texto desta natureza teria provocado um sério burburinho no meio mediático. E até mesmo para além deste meio. Vindo como vem de um jornalista no ativo. E que mais é : do diretor de um jornal que apesar de tudo conta na sociedade portuguesa…
José António Saraiva, diretor do semanário Sol, publicou na sexta-feira 22 de agosto um texto (a que ele chama “crónica”) intitulado “Repouse em Paz”. Tratava-se de facto de duas páginas (do suplemento Tabu) a propósito do falecimento de Emídio Rangel. Páginas nas quais Saraiva evocava uma história edificante sobre o funcionamento do meio mediático português.
E a notícia não saiu…
Procuremos resumir. Francisco Pinto Balsemão, editor, fundador e primeiro diretor do semanário Expresso, tem conhecimento de que “uma notícia difamatória […] iria sair a seu respeito” no semanário Tal & Qual. Pede então ao diretor do Expresso, que nessa altura era Saraiva, “para tentar evitar a publicação”.
E prossegue Saraiva : “Não conhecendo ninguém no Tal & Qual”, lembrou-se “de telefonar a Emídio Rangel, que sabia ser amigo de pessoas de lá”. Telefonou-lhe, convidou-o para almoçar, contou-lhe “o que se passava, ele concordou que a notícia envolvendo Balsemão era da esfera pessoal e não tinha interesse público, dispondo-se a interceder. E, de facto, a notícia não saiu”. Saraiva especifica que, antes, “nunca tinha estado com Rangel pessoalmente” e que Pinto Balsemão “ficara a dever um favor a Rangel”. Isto ainda antes do lançamento da SIC.
Partamos do princípio que Saraiva não “borda” uma história e que os elementos essenciais desta história são fatuais, indiscutíveis. E então a história é de facto significativa da maneira como em meios editoriais e jornalísticos de Lisboa se fabrica a informação. E como profissionais do sector não têm pejo algum (pelo menos isso não transparece no texto de Saraiva) em intervir para entravar a vinda a lume de uma notícia considerada importante (supõe-se) pela redação de um jornal. Quando, em princípio, cada jornal dispõe dos seus próprios critérios jornalístico-editoriais, sejam estes perfeitamente discutíveis e criticáveis, distintos em todo o caso dos aplicados por outras redações.
“Confissões” destas na imprensa de outros países da Europa ocidental poriam em choque “a classe jornalística” (como lhe chamam curiosamente em Portugal). E tanto mais quanto é certo que tais “confissões” têm por origem um jornalista que dirigiu o mais importante semanário generalista português (Expresso), e fundou e dirige hoje aquele que se quer o seu mais direto concorrente (Sol).
Duas outras histórias vêm completar esta descrição involuntária do microcosmos mediático-jornalístico alfacinha. Uma sobre “o crítico de TV do Expresso, Jorge Leitão Ramos [que] fazia críticas a programas da SIC que irritavam Rangel — que se ia queixar a Balsemão [e] este transmitia[…] as queixas” a Saraiva. Até que “Margarida Marante fez então, generosamente, várias tentativas para nos aproximar” e houve então “um almoço a três” (Marante, Rangel e Saraiva).
Na “boa sociedade” lisboeta…
Outra a propósito de Rangel e Marante, que era amiga da “namorada” de um ministro socialista, relação de proximidade que levou a que o governo da época oferecesse a Rangel “o lugar de director-geral da RTP”. Mas poder-se-ia até acrescentar ainda a evocação de uma entrevista de Saraiva na televisão, a propósito da qual “Rangel escreveu um lamentável artigo no Correio da Manhã onde, entre outras coisas, dizia que eu usava ‘um casaco cor de m…’”.
Todas estas histórias evocadas por Saraiva (para além mesmo da questão de saber se a notícia a propósito de Pinto Balsemão era ou não “difamatória”, pois não é disso que se trata nem poderia tratar aqui) ilustram bem a maneira como funciona o microcosmos mediático-jornalístico no seio da “boa sociedade” lisboeta. Ao mesmo tempo que permitem compreender melhor por que é que o jornalismo português vai mal. Por que é que os jornais se vendem tão mal. E por que é que jornais e jornalistas gozam de um tão grande descrédito junto dos cidadãos…

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