As piruetas dos "animais de poder"


J.-M. Nobre-Correia
Média : Quando o antigo diretor do mais prestigioso diário francês evoca uma reviravolta de dois líderes políticos que deveria fazer refletir nas redações…

Num livro recente, sob a forma de longa entrevista, Jean-Marie Colombani [1], que foi diretor de Le Monde de 1994 a 2007, aborda temas interessantes : a entrada no jornal como simples redator (em 1977), a chefia do serviço político, a chefia de redação e a direção do jornal e do grupo constituído em torno deste. Procurando explicar a crise que levou a redação a votar contra a renovação do seu mandato de diretor. Analisando também a crise atual dos jornais impressos e as perspetivas futuras destes como dos digitais, até porque Colombani é agora diretor do magazine digital Slate.fr que fundou em 2009.
O livro é interessante para quem queira saber como um antigo diretor analisa o jornal em que trabalhou e que dirigiu, que análise faz da evolução atual deste jornal e como vê o futuro do jornalismo. E há no dito livro algumas passagens saborosas, nomeadamente esta : “Je me souviens de l’épisode du traité de Maastricht pour la ratification duquel François Mitterrand avait convoqué un référendum. Jacques Chirac, chef de l’opposition et toujours maire de Paris, hésitait et il fallut beaucoup de pédagogie à Édouard Balladur pour le convaincre que, s’il cédait à son inclination — voter non —, il ne serait jamais président de la République. Très peu de temps après l’annonce présidentielle, je reçois un coup de fil de Charles Pasqua me proposant un « papier » signé de lui-même et de Philippe Séguin et me demandant de le publier aussitôt que possible. Titre de l’article « Oui à Maastricht ! » (sic). Quelques heures plus tard, Jacques Chirac tient une conférence de presse et annonce que, tout bien pesé, il votera en faveur de la ratification du traité, donc « oui » à Maastricht. Re-coup de fil de Charles Pasqua : « Jean-Marie, le papier, mettez-le à la poubelle, je vous en renvoie un autre ! » Le lendemain, arrive l’autre « papier », toujours signé de Charles Pasqua et Philippe Séguin. Titre : « Non à Maastricht ! » Ainsi va la politique. L’un et l’autre cherchaient alors à écarter Jacques Chirac du leadership de la droite” (p. 149) !
Pequena explicação de texto : François Mitterrand era presidente da República ; Jacques Chirac antigo ministro e primeiro ministro, presidente então do RPR e da Câmara Municipal de Paris, futuro primeiro ministro e, mais tarde, presidente da República ; Édouard Balladur antigo ministro da Economia e futuro primeiro ministro ; Charles Pasqua antigo e futuro ministro do Interior ; Philippe Séguin antigo ministro dos Assuntos Sociais e do Emprego e futuro presidente da Assembleia Nacional e, em seguida, presidente do RPR. Com exceção de Mitterrand, claro, os quatro últimos personagens foram líderes de primeiro plano do partido conservador RPR que daria em seguida lugar à atual UMP.
A formidável história contada por Colombani permite pelo menos duas reflexões. A primeira é que os homens políticos são na grande maioria dos casos puros animais de poder (“bêtes de pouvoir”), por vezes mesmo ferozes animais de poder, sedentos antes do mais de poder e das benesses do poder. A segunda é que, no espírito dos políticos profissionais, os jornalistas são gente a instrumentalizar, a utilizar em proveito deles próprios, políticos, e que os ditos políticos pouco se preocupam com a coerência ideológica, com a fidelidade aos princípios que proclamam e aos do partido de que fazem parte, e muito menos com essa ideia extravagante que é de servir a sociedade…
Os jornalistas não deveriam esquecer o que há de puramente tático e oportunista nas declarações, nos gestos e nas piruetas mais ou menos espetaculares dos profissionais da política. Dando-lhe a devida e somenos importância que merecem. Respeitando assim os leitores, ouvintes, espectadores ou internautas. E respeitando-se a eles próprios, jornalistas…



[1] Jean-Marie Colombani com Catherine Vincent, Un Monde à part, Paris, Plon, 2013, 256 p.

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