As inesperadas surpresas
J.-M. Nobre-Correia
Edições digitais : Há uns dez anos, estava assente que os jornais em papel iriam desaparecer.
Só que a tecnologia deu uma nova juventude às antigas marcas fortes…
A revolução dos
médias está a desenrolar-se sob os nossos olhos. Tomando contornos inesperados.
Sem que os cidadãos tenham verdadeiramente consciência do que se está a passar.
E sem que os editores se apercebam sempre das especificidades desses contornos
e tomem as necessárias disposições para afrontarem a nova situação.
Assim,
no início dos anos 2000, os diários impressos pareciam condenados. As vendas
baixavam aceleradamente. E as camadas jovens arredavam-se estrondosamente da
leitura dos jornais em papel. O “leitorado” não se renovava e era cada vez mais
constituído por gente de idade madura, dotada, é certo, de um nível de
instrução e de um poder de compra geralmente elevados. Enquanto que os jovens
liam sobretudo jornais gratuitos.
Ora,
nos fins da primeira década de 2000, assistiu-se a uma profunda crise dos
diários gratuitos. E, paralelamente, a uma consulta cada vez maior dos sítios
dos jornais em computadores, primeiro, e em dispositivos móveis (telemóveis e
tabletes), depois. Práticas novas de leitura que provocaram um formidável
rejuvenescimento do “leitorado”. Doravante, o público mais “maturo” lê jornais
em papel, enquanto que os jovens os leem nas versões digitais…
Outra
mutação de fundo : as receitas publicitárias das edições em papel caiem
vertiginosamente, enquanto que as das digitais aumentam. E como são as marcas
tradicionais dos jornais em papel que se têm sobretudo imposto na internet, são
as versões digitais deles que recolhem mais visualizações e receitas
publicitárias. Porque só quase eles dispõem de redações de qualidade para
selecionar, hierarquizar, perspetivar e analisar os acontecimentos. É evidente
nos Estados Unidos como em diversos países europeus. Em França, os generalistas
Le Monde, Le Figaro e Le Parisien,
o económico Les Échos e o desportivo L’Équipe dominam no digital. E deixam
vislumbrar um novo modelo económico em que as receitas dos conteúdos e da
publicidade digitais contribuem decisivamente para o volume de negócios da
editora…
Texto publicado no Diário de Notícias, Lisboa, 4 de outubro de 2014, p. 44.