As incertezas da evidência
J.-M. Nobre-Correia
Política : Sob a influência de sondagens e de “comentadores”, boa parte da opinião
pública está convencida que o PS ganhará as próximas eleição e formará o novo
governo. Há porém razões para dúvidas…
A ler e ouvir sondagens que por aí se anunciam,
parece uma evidência. Impressão reforçada pelas “análises” dos numerosíssimos
“comentadores” que se atropelam nos média. É pois certo, ou pelo menos muito
provável, que o Partido Socialista ganhe as próximas eleições legislativas e
venha a formar o novo governo.
Mas esta evidência será assim tão evidente ?
Eleitores e socialistas fariam bem em duvidar de tal evidência. Por duas razões
principais. Primeiro, porque o governo atual ainda não disse a última palavra.
E uma série de “prendas” de última hora poderão embelezar grandemente a perceção
pública das medidas tomadas durante a legislatura. Depois, PSD e CDS poderão muito
bem propor uma imagem de entendimento e serenidade, a contrastar com as
tradicionais guerrinhas no seio da esquerda.
Em segundo lugar, a esquerda apresentar-se-á
provavelmente perante os eleitores de maneira bastante fragmentada. Não falemos
sequer das eternas organizações de extrema esquerda de que quase só se ouve falar
durante as campanhas eleitorais e cujas probabilidades de dar entrada na
Assembleia da República são, no mínimo, escassas. Mas há ainda todas as outras.
Um PCP cuja rigidez de posições e de declarações faz que, manifestamente, não
está interessado em participar no governo da nação. Um Bloco de Esquerda em desmoronamento,
que perdeu militantes e mandatários ao longo da legislatura e se afirma como
meramente tribunício, especialista em contestação verbal, voluntariamente
arredado de responsabilidades governativas.
Dir-se-á que o PS, potencial primeiro partido
saído das urnas, mas não dispondo da maioria parlamentar, poderá associar-se ao
futuro Tempo de Avançar [1].
Desconhece-se no entanto o que poderão ser os resultados eleitorais desta nova
formação associada ao Livre. Ao estado atual, as sondagens não lhe atribuem
resultados particularmente gloriosos. E só depois do congresso previsto para 31
de janeiro se poderá talvez perceber como se situará política e socialmente o
novo partido.
Como se isto não bastasse, há quem queira ainda
criar um Junto Podemos inspirado no Podemos espanhol. O que quer dizer que, com
o PS, o PCP, o BE, o TA e o possível JP, haverá cinco organizações (para além
das de extrema esquerda) a disputar o voto do eleitorado que não deseja que a
aliança PSD-CDS continue no poder.
Porém, tal fragmentação risca de provocar a
eleição de mais representantes do PSD e do CDS do que aqueles a que os votos
próprios deveriam normalmente dar-lhes direito. Mas risca sobretudo de
fragilizar o PS e as probabilidades de poder vir a formar o novo governo. Tanto
mais que paira uma grande incerteza sobre os resultados eleitorais de um partido
eventualmente abalado pelas vicissitudes judiciárias do seu último primeiro
ministro.
Ora, é verdade que as maiorias parlamentares
absolutas não são muito favoráveis a uma prática democraticamente aberta e
pluralista de governação. Mas um governo de minoria parlamentar fica largamente
condenado a uma incapacidade quase permanente de decisão em matérias
fundamentais…
As evidências anunciadas por uns e por outros
poderão pois redundar em sérias dores de cabeça pós-eleitorais para a esquerda.
E por que não num fracasso da esquerda e no regresso da direita ao poder ?…
[1] Este nome não é decerto obra de um profissional
da comunicação que tenha pensado na futura vida política dos militantes e
mandatários do partido. Serão eles designados por “tempistas”, “avançadistas”,
que outras hipóteses mais ?…