A confrangedora indigência


J.-M. Nobre-Correia

Média : Dia após dia, a RTP dá provas de uma inacreditável mediocridade dos seus telejornais. Mas, estes últimos dias, o principal apresentador do principal telejornal ultrapassou tudo o que é imaginável em matéria de incompetência e má-fé…

É muito difícil escrever sobre os média portugueses, quando a quase totalidade dos leitores pratica unicamente a imprensa, a rádio e a televisão nacionais. Não que, em viagem pelo estrangeiro ou por curiosidade pontual, não tenham contactado com média de outros países. Mas, no dia a dia, durante toda a vida, foi com média portugueses que se informaram.
Daí que, mesmo entre os mais críticos, haja sempre quem diga que há esta ou aquela rubrica, este ou aquele programa que não são maus. E mesmo que tal outra ou tal outro até são bastante bons. E é evidente que os há : nem tudo é um mar de desolação, felizmente !
Não impede que, globalmente, comparada com a maioria das congéneres europeias, a televisão em Portugal é de uma aflitiva mediocridade. Em termos de programação como de informação. A programação é dominada por telenovelas rascas, concursos idiotas, diretos folclórico-musicais “pimba” e emissões de paleio político, futebolístico ou sócio-miserabilismo ao quilómetro.
Os telejornais são, quanto a eles, uma autêntica miséria. Com uma duração duas a quatro vezes superior à dos do resto da Europa. Uma proliferação de “diretos” perfeitamente injustificáveis, nada de essencial estando a acontecer, aproveitando atores diversos da vida social (sobretudo políticos) para rentabilizá-los em proveito próprio. Uma ausência quase total de gravações e de montagens, depois de devidamente eliminado o que é redundante, secundário e perfeitamente dispensável. Uma quase ausência de sequências de jornalismo especializado, explicativo, didático, ilustradas de maneira pertinente. Uma inacreditável ausência de sentido de prioridade dos factos de atualidade e da sua desejável hierarquização. Uma chocante importância dada aos mais variados “faits divers” (crimes e acidentes), sem repercussão alguma na via quotidiana das pessoas. Uma escandalosa deificação do futebol e uma ultra-exagerada atenção dada a jogadores, treinadores e presidentes de clubes.
Depois, como se todos estes aspetos insatisfatórios não ultrapassem já os limites do tolerável, assistimos na televisão pública a jornais apresentados por gente totalmente inadequada. Gente cheia de tiques faciais, gestuais e elocutivos, pondo em evidência o manuseamento de uma caneta de marca (sem que isso suponha um qualquer patrocínio, espera-se) e dirigindo até aos espectadores vulgaríssimas piscadelas de olho finais ! Gente encarregada da apresentação do jornal, mas que também se estima capaz de ser entrevistador (agressivamente militante quando o entrevistado não lhe agrada) ou enviado especial (que faz umas coisas a que chama reportagem e se põe a editorializar banalidades sobre temas de política internacional que manifestamente ignora, à maneira de quem recebeu encomenda para consumo político interno).
Ora, espantem-se os leitores incautos : o apresentador-entrevistador-repórter-editorialista que mais tristemente se evidenciou nestes últimos dias foi diretor de informação da televisão pública em duas ocasiões. E é professor na primeira universidade portuguesa que criou um curso de ciências da comunicação. Dois estatutos que provam bem o descalabro em que se encontra a informação na televisão em Portugal e os cálculos pouco académico-profissionais que as universidades fazem na constituição dos seus corpos docentes…
Tristemente, porém, os portugueses habituam-se a tudo. Nada verdadeiramente os indigna. Nada os leva a contestar publicamente a mediocridade da informação que a RTP lhes propõe. Nem a exigir que o petulante apresentador-entrevistador-repórter-editorialista seja afastado das suas funções, dada a sua aterradora incompetência técnica, a sua abissal ignorância cultural e a sua estrondosa manifesta má-fé militante. Não ! Vão deixá-lo continuar a usufruir de um escandaloso salário [1] por um serviço de uma aflitiva mediocridade : triste país ! Queixem-se depois !…




[1] Num país como a Bélgica (economicamente subdesenvolvido, ousarão talvez dizer as vedetas da televisão portuguesa), nenhum jornalista vê o seu salário aumentado pelo simples facto de passar a apresentador do jornal. Acrescente-se que, nesta mesma Bélgica, nenhuma televisão local ousaria pôr como apresentador do seu jornal aquele que é o principal apresentador do principal jornal da televisão pública portuguesa…

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