Um olhar diferente


J.-M. Nobre-Correia
Média / Política : Há um rolo compressor que destila uma versão largamente unidimensional da situação grega. Mas há também, para lá da fronteira luso-espanhola, vozes dissonantes que atiçam o espírito crítico dos cidadãos…

Globalmente, a impressão com que se fica quando se praticam unicamente média portugueses, é que a situação grega é clara. Claríssima mesmo. De um lado, os bons democratas europeus, da direita como da “esquerda razoável”, acham que a Grécia tem que “pagar o que deve” : ponto final. E que o governo grego fruto das eleições legislativas de janeiro é uma cambada de esquerdistas idealistas irresponsáveis.
Do lado oposto fica toda uma coorte de minoritários, largamente esquerdistas, idealistas e irresponsáveis, espalhados por essa Europa fora, que apoiam o governo grego ou, pelo menos, o povo grego. E que até acham que o governo grego é o único na União Europeia a ter a dignidade e a coragem de enfrentar uma União Europeia em derrapagem acelerada em relação aos seus próprios princípios fundadores.
É claro que uma e outra vozes de “comentadores” se têm levantado em média portugueses para explicar que a situação grega não é bem o que a informação dominante tem proposto como grelha de interpretação. Mas esses ditos “comentadores” minoritários são rapidamente catalogados como suspeitos…
O papel do FMI e do BCE
Vejamos então o que um conhecido economista belga diz sobre o assunto. Professor na London School of Economics, Paul De Grauwe — embora o Expresso persista em designá-lo como “professor da Universidade Católica de Lovaina, Bélgica” [1] — deu recentemente uma entrevista ao magazine semanal de economia e finanças bruxelês Trends Tendances [2] datado de 11 de junho.
Sobre a atitude do FMI perante a Grécia : “Le Fonds monétaire international continue d’insister sur la nécessité de réaliser des économie alors que le même FMI a réalisé des études il n’y a pas si longtemps qui montrent clairement que trop d’austérité plonge un pays dans une récession plus profonde, provoque une déstabilisation politique, aggrave la misère de millions de personnes. Je comprends très bien la lettre ouverte publiée par Alexis Tsipras, le Premier ministre grec, il y a quelques jours. Il a raison. On marche sur la tête ».
O entrevistador recorda depois que De Grauwe diz que « il faut toujours trouver un équilibre entre le débiteur et le créancier. Quel serait le bon équilibre dans le cas grec ? » E De Grauwe responde : « Du côté grec, c’est installer une administration fiscale efficace. C’est le cœur du problème. Il faut que chacun contribue équitablement à l’impôt, ce qui n’est pas le cas aujourd’hui. De leur côté, les créanciers doivent revoir leurs exigences et surtout adoucir l’austérité qu’ils veulent imposer au pays. C’est une nécessité pour faire redémarrer l’économie et donc alléger le poids de la dette. Pour l’instant, on fait exactement le contraire : l’économie s’effondre et le poids de la dette augmente ».
« Pourquoi alors continue-t-on dans cette voie ? », pergunta o jornalista : « Je ne sais pas. C’est tellement élémentaire… J’imagine qu’il y a des considérations politiques qui jouent. Certains veulent peut-être que la Grèce sorte de la zone euro… »
Mais à frente, a propósito do Banco Central Europeu, diz De Grauwe : « L’élément le plus positif vient de la BCE : l’OMT [a possibilidade de compra sem limites de obrigações soberanas], c’est-à-dire le fait que la Banque centrale se déclare prête à intervenir, a pacifié les marchés. Mais la décision d’intervenir repose exclusivement dans les mains de la BCE. Ce sont des bureaucrates qui décident du sort d’un pays souverain dirigé par un gouvernement démocratiquement élu. Une structure qui veut que des fonctionnaires aient un pouvoir ultime sur le gouvernement d’un pays est inacceptable. »
Ora, diz De Grauwe mais à frente, « les statuts de la BCE ne disent pas qu’elle peut faire partie d’une troïka, s’occuper de problèmes politiques, dicter aux Irlandais, aux Grecs ou aux Portugais quel doit être leur système de pension ou comment il faut lever l’impôt. La BCE va jusqu’à écrire aux gouvernements ».
Investimento público e privado
Abordando temáticas mais vastas, nomeadamente no que diz respeito ao relançamento da atividade económica, diz De Grauwe : « s’il y a une chose dont nous avons besoin, c’est d’investissements publics : les infrastructures vieillissent, ce qui aura des effets à long termes sur la productivité, la croissance potentielle ».
A propósito do funcionamento da União Europeia : « Tous les éléments positifs de l’union se sont envolés. Bien sûr, nous avons besoin de discipline. Mais lorsque l’union n’est plus que discipline, lorsque nous ne sommes plus prêts à nous entraider, alors l’union n’a plus d’avenir. Nous sommes considérés comme des petits enfants qui sont punis s’ils désobéissent. Il ne faut donc pas s’étonner du développement des partis eurosceptiques ».
Ainda sobre a fraqueza do crescimento : « Le cœur du problème de la croissance, c’est l’investissement. Le secteur privé se méfie et réduit ses investissements. Et alors qu’il devrait prendre la relève, le secteur public n’investit plus. Dans l’après-guerre, la croissance que nous avons connue a été en grande partie nourrie par les investissements publics dans les infrastructures, etc. »
O problema do investimento é tanto maior quanto é certo que, « dans beaucoup de pays, il y a un phénomène pervers : certains managers s’appliquent à augmenter le montant de leurs bonus, en utilisant les abondantes liquidités des entreprises pour qu’elles rachètent leurs propres actions et fassent monter la valeur de celles-ci, plutôt qu’investir dans l’avenir de l’entreprise. Ce qui explique la décélération de la croissance dans nos pays et aux États-Unis. Le capitalisme est devenu un capitalisme financier, et non plus un capitalisme d’entrepreneurs ».
As origens da dissonância
Para compreender bem o sentido destas declarações, convém dizer que a London School of Economics não é precisamente uma escola de esquerdistas, praticando embora um certo pluralismo. E que De Grauwe ele mesmo, para além de uma passagem pelo FMI e de longos anos de docência na KUL, foi senador e deputado federal belga entre 1991 e 2003 como eleito do VLD (Vlaamse Liberalen Democraten), o partido flamengo de direita liberal.
Esta longa retranscrição de passagens de uma entrevista publicada por um magazine belga de economia e de finanças (o género de publicações que muito raramente se situam ideologicamente à esquerda) tem sobretudo um objetivo. O de mostrar que, para além da fronteira luso-espanhola, nos média como nos meios de direita democrática, se encontram vozes dissonantes capazes de atiçar a inteligência crítica dos cidadãos. E não, como neste “jardim à beira mar plantado”, um rolo compressor que procura impor informação e análises largamente unidimensionais…



[1] Dizer que alguém é « professor da Universidade Católica de Lovaina » em português, não quer dizer nada. Pela simples razão que, em 1968, a antiga universidade bilingue sediada em Lovaina foi cindida em duas : a Katholieke Universiteit Leuven (KUL), que ficou em Lovaina (Leuven, em neerlandês), na Flandres neerlandófona ; e a Université catholique de Louvain (UCL), que foi obrigada a instalar-se na Valónia francófona, em Ottignies, onde foi construído um novo bairro para a acolher a que deram o nome de …Louvain-la-Neuve ! Ora, no caso de Paul De Grauwe, ele foi professor na KUL antes de, nascido em 1946 e atingido pelo limite de idade de 65 anos em 2011, ter passado a ensinar na London School of Economics… A mesma explicação é válida no que diz respeito à Université libre de Bruxelles (ULB, aquela de que sou professor emérito desde 2011) e a Vrije Universiteit Brussel (VUB), nascida da cisão de 1969, com a diferença que as duas ficaram sediadas no território oficialmente bilingue de Bruxelas.
[2] Tive o prazer de escrever regularmente sobre os média no magazine Trends Tendances entre 1987 e 2003, tendo assumido nomeadamente uma crónica semanal sobre os média belgas e europeus.

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