Estas originalidades anacrónicas…

J.-M. Nobre-Correia
Média : Há por aí práticas jornalísticas de tal modo correntes que foram progressivamente interiorizadas pelos cidadãos. Avancemos porém umas breves notas críticas soltas sobre algumas que marcaram a semana…

1. O grande tema jornalístico destes dias é a entrevista dada pelo juiz de instrução da denominada “operação Marquês” à Sic. Ora, não é nada normal que um juiz de instrução dê uma entrevista fazendo alusões indiretas (que toda a gente compreendeu) ao caso que está a investigar desde há três anos. Nem que faça insinuações sobre “escutas” de que diz estar a ser vítima, quando nunca apresentou queixa alguma sobre esta matéria. Numa democracia de sólidas tradições democráticas ele teria sido imediatamente chamado publicamente à ordem pela sua hierarquia por estas razões. Mas estamos em Portugal, país onde os princípios de deontologia e de ética são de uma grande flexibilidade…
Por outro lado, que uma estação de televisão procure anteceder os demais concorrentes no tratamento de um tema com ligações evidentes a uma atualidade anunciada, é perfeitamente normal. O que não é já nada normal é que a dita televisão, em função desta mesma atualidade anunciada, procure dar uma certa imagem favorável, “humana”, de um dos seus principais atores. Porque, neste caso, não é jornalismo que a estação de televisão está a fazer mas sim militantismo político.
Terceiro ponto : é preciso ser preocupantemente ingénuo ou perfidamente hábil (e num ou noutro caso : altamente inquietante em termos democráticos) propor ou aceitar dar uma entrevista a um semana da data que lhe foi imposta para tirar as conclusões da instrução que conduz há anos. Tanto mais que tal entrevista faz parte de uma operação indubitavelmente concertada, o semanário navio almirante do mesmo grupo que a Sic anuncia hoje uma “grande entrevista [do magistrado] que o Expresso vai publicar na próxima semana”. Venham depois dizer que tudo isto são puras coincidências ! E que a Sic, o Expresso e o juiz de instrução, distraidamente, nem sequer se aperceberam da atualidade anunciada !…
2. No seguimento da entrevista da Sic, o “antigo primeiro-ministro” José Sócrates publica um texto de “opinião” no Diário de Notícias de hoje. Texto estranhamente seguido de outro em letras maiúsculas : “O artigo de opinião de José Sócrates, que o DN publica, foi proposto pelo antigo primeiro-ministro”. Lê-se, relê-se e não se acredita ! Ou será que no improvável novo livro de estilo do Diário de Notícias os artigos de opinião vão doravante ser seguidos da menção “proposto” por tal pessoa, empresa ou instituição, ou devidamente “solicitado” pela redação do jornal ? Seria uma originalidade do Diário de Notícias que, esperemos, seja sistematicamente aplicada a todos os autores de “opiniões”. Quando não, a notificação é pura e simplesmente de um ridículo provincianismo…
3. O mesmo Diário de Notícias de hoje brinda-nos com outra “opinião” : a de André Macedo, “jornalista”. Macedo deixou a direção do Diário de Notícias para ser diretor adjunto na RTP, mas continua a escrever no seu antigo jornal. Como Sérgio Figueiredo que continuou a escrever depois de ter sido nomeado diretor na TVI. O que põe em evidência o encolhimento cada vez mais flagrante do pluralismo nos média portugueses. É cada vez mais o mesmo pequeno grupo de pessoas que faz “opinião” em diversos média ao mesmo tempo. Privando estes média da originalidade, da “mais valia” a que os seus respetivos públicos deveriam ter direito, que mais não fosse até por simples razões comerciais. Enquanto que o microcosmos dos amigalhaços, numa relação perfeitamente incestuosa, se vai partilhando os benefícios das avenças pagas pelos diferentes média…
4. Há circunstâncias em que o observador mediamente avisado se interroga sobre os critérios que presidem à conceção de um jornal. Assim a rúbrica necrológica “In memoriam” do Expresso. Curiosamente, estranhamente, tal rúbrica de meia página vertical é assumida por alguém que, manifestamente ignora o que queiram dizer as noções de proximidade e de hierarquização da informação. Porque o seu autor lê uns jornais estrangeiros e escreve depois sobre gente que faleceu e que pouco ou nada diz respeito aos leitores portugueses. Mas pior do que isso, muito pior ainda : a dita rúbrica é uma horripilante ilustração de antijornalismo, fruto de quem não sabe pura e simplesmente escrever para ser lido. Uma das suas grandes especialidades é aliás um primeiro parágrafo com uma média de 60 linhas perfeitamente ilegível !
Haverá alguém no Expresso que explique ao autor que, pelos menos desde os anos 1940, há estudos de psicolinguística e de sociolinguística, nomeadamente de um tal Rudolf Flesch, que demonstrariam a total ilegibilidade dos seus textos ? Ou quererá a direção do Expresso persistir nesta ilegibilidade ? A não ser que tenha recebido ordem de deus-pai-todo-poderoso para não mexer nos textos do senhor embaixador !… Só que, editorialmente, tais textos são totalmente inadmissíveis num jornal que se quer a referência do jornalismo em Portugal…

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