Algumas lições pós-eleitorais
J.-M. Nobre-Correia
Política/Média : Donald Trump será pois o futuro presidente dos Estados Unidos. Acontecimento
que põe em evidência a crise da política nos países democráticos. Assim como a
da informação que nos é proposta pelos média…
Os resultados das eleições nos Estados
Unidos propõem pelos menos que se façam dois tipos de análises. Uma de caráter
político e outra de caráter mediático. Tanto mais que os ditos resultados
surgem depois da recusa, em maio-junho de 2005, em referendo, dos franceses e
neerlandeses em adotarem o tratado que estabelecia uma constituição para a União
Europeia. E depois também do voto a favor da saída da Grã-Bretanha da União
Europeia, por ocasião do referendo organizado a este propósito em junho passado.
Em termos políticos, o que se torna cada
vez mais evidente é que os eleitores se opõem maioritariamente ao reforço da
chamada “construção europeia” assim como à mundialização. Porque uma e outra se
têm traduzido na instauração de um mercado livre, na circulação sem limites de
capitais, bens, serviços e, no primeiro caso, também de pessoas. Com consequências
evidentes : o encerramento de numerosas empresas e a explosão do desemprego, ou
pelo menos a conservação deste a níveis elevados ; a erosão da situação
económica das chamadas classes médias e a acentuação das desigualdades entre as
classes dirigentes e o resto da sociedade ; o aumento gigantesco da imigração,
com os problemas que isso põe em termos socioculturais mas também económicos,
com o aparecimento de uma mão de obra barata e não protegida em termos
jurídico-sociais.
Quando as elites não querem saber
Perante esta evolução incontestável, as
elites, largamente poupadas pela crise e até mesmo generosamente beneficiadas
por ela, não veem, não querem ver e continuam a pôr todos os mecanismos de
propaganda a funcionar em favor do reforço da “construção europeia” como da
mundialização. É certo que estes dois movimentos tiveram consequências benéficas
em países que se encontravam antes fora da intervenção direta da UE e dos EUA.
Mas, no plano interno destes dois espaços, isso traduz-se na destruição das
estruturas de produção agrícola e industrial, e na perda de proteção social de
que (em maior ou menor grau) despunham os cidadãos.
Que no caso da União Europeia, se tenha
passado em poucos anos de seis países membros para vinte e oito é tanto mais
dificilmente compreensível que, historicamente, culturalmente e economicamente
estes países não fazem manifestamente parte do mesmo espaço. E só considerações
de caráter político, militar e estratégico levaram a UE a querer absolutamente alargar-se
para Leste. As evoluções políticas internas de alguns desses países mostram agora
bem até que ponto existe um fosso profundo que nos separa.
Recuar em relação a alargamentos recentes
parece no mínimo problemático, senão impossível. A não ser que venha a haver
países que, como a Grã-Bretanha, decidam retirar-se da UE. Há porém que marcar
uma urgente, indispensável e salutar longa pausa de consolidação das situações
e dos direitos adquiridos. E impedir que os profissionais do europeísmo
continuem a apregoar discursos encantatórios, que mais não são do que
tentativas de consolidação das posições pessoais que alcançaram e das benesses
de que podem assim usufruir.
De outro modo, o espaço político europeu
estará cada vez mais aberto a contestações radicais, nomeadamente dos seus
aparelhos políticos, partidos e demais corpos intermediários (sindicatos,
associações,…). Abrindo as portas aos mais diversos movimentos populistas
imprevisíveis, como é já o caso na Grécia, na Itália e na Espanha, mas também
nos Países Baixos, na Bélgica, na Grã-Bretanha ou, mais inquietante ainda, em
França [1].
Suscitando ondas de cólera protestatórias dominadas muitas das vezes pelo
radicalismo das propostas e pela violência das ações.
As câmaras de eco dos meios dominantes
Esta cólera protestatória visa sobretudo
os meios políticos e económicos dirigentes. Mas visa também os média e a
informação que neles é praticada, provocando um afastamento cada vez maior dos
cidadãos que perderam a confiança neles. Como compreender, por exemplo, que nos
casos evocados, e sobretudo agora nos Estados Unidos, os média tenham feito em
bloco campanha pela posição contrária à que seria adotada pelos eleitores ? E
que tenham até, em seguida, aceitado mal o resultado, encontrando explicações
extravagantes mais ou menos condenatórias para a escolha efetuada pelos
eleitores ?
É que, aqui também, como no caso dos
políticos, os jornalistas deixaram de frequentar o mundo real dos cidadãos.
Deixaram de ir para o terreno e de terem contactos com as pessoas,
observando-as, interrogando-as, procurando compreender como elas vivem as suas
vidas quotidianas. Em vez de deambularem entre sala de redação, conferências e visitas
de imprensa, entre comunicados oficiais, telefones e ecrãs de computador.
Admiremo-nos depois, que cada vez mais os factos políticos contradigam
ferozmente os quadros apriorísticos e ideológicos que tinham proposto aos
leitores, ouvintes ou espectadores. Quadros generosamente reforçados, é
verdade, por empresas de sondagens que manifestamente não procuram compreender
a realidade dos factos mas propor leituras que agradem aos seus clientes…
[1] Ver a este propósito J.-M. Nobre-Correia,
« O deslize das placas tectónica », in Notas de Circunstância 2, 6 de fevereiro de 2015.
Texto publicado no blogue A Vaca Voadora, Lisboa, 9 de novembro de 2016.
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