As outras "baixas densidades"…
J.-M. Nobre-Correia
As assimetrias regionais não são apenas fruto do
fraco desenvolvimento económico “do interior”…
O governo aprova 160 medidas de um
Programa Nacional para a Coesão Territorial. E os que vivem “no interior”, no
Portugal “de baixa densidade”, só podem regozijar-se com isso. Embora a
imprensa deixe perceber que o dito Programa alinhe antes do mais medidas de
caráter económico, ou melhor dizendo : suscetíveis de favorecer o
desenvolvimento económico das regiões situadas para além do Centro-Norte
Litoral.
É evidente que um dos grandes problemas
deste Portugal “de baixa densidade” é precisamente o do fraco desenvolvimento
económico. O que leva muitos dos seus habitantes, e sobretudo jovens, a estabelecerem-se
na orla litoral entre Braga e Setúbal, onde esperam poder usufruir de melhores
condições de vida e nomeadamente de emprego.
Só que a desertificação do Portugal “de
baixa densidade” não é unicamente devida ao fraco desenvolvimento económico. Há
infraestruturas essenciais de que é manifestamente desprovido e que não virão
instalar-se por acréscimo, como fruto natural desse futuro desenvolvimento
económico. Infraestruturas essencialmente de três tipos : centros hospitalares
performantes, estabelecimentos de ensino de alto nível e instituições culturais
com ofertas de qualidade.
No que se refere à assistência médica, o
Portugal “do interior” está largamente dependente dos centros hospitalares do
Porto, de Coimbra e de Lisboa. Vêem-se assim diariamente à beira destes centros
um número inacreditável de ambulâncias e “transportes de doentes” vindos dos
pontos mais remotos do país ! Porque, “no interior”, os profissionais de saúde,
os equipamentos especializados e as valências propostas são manifestamente insuficientes,
em termos quantitativos como, muitas vezes, qualitativos. E os médicos “caixeiros-viajantes”
que se dignam ir até lá, vindo das três cidades indicadas, raramente são altamente
qualificados, embora se façam pagar a preço de oiro…
Nas classificações nacionais ou
internacionais publicadas periodicamente sobre o sector, é evidente também que
os grandes estabelecimentos de ensino secundário, politécnico e universitário
se encontram quase exclusivamente no Centro-Norte Litoral. E muitos “académicos
TGV” dão-se ao desplante de residir nas três cidades habituais e irem até “ao
interior” apenas o tempo indispensável para assumirem, um ou dois dias por
semana, as suas obrigações de docentes. Pelo que, pais responsáveis ou jovens
conscienciosos, fazem muitas vezes a escolha de se estabelecem na orla litoral,
entre Braga e Lisboa.
A situação é tragicamente ainda mais pobre
no que se refere à vida cultural. Cidades “do interior” há onde não se encontra
um cinema, um teatro ou sala de concerto, nem livraria digna deste nome ou loja
onde se possam adquirir CD ou DVD de qualidade. A atividade cultural resume-se
na melhor das hipóteses a espetáculos de segunda ou terceira importância,
muitas das vezes com intérpretes de origem puramente local ou regional. E nesta
matéria, quase tudo na “grande cultura”, como aliás nos lazeres, se passa em
Lisboa, só o Porto constituindo de certo modo uma pequena exceção a esta regra.
Ora, uma verdadeira “coesão territorial” capaz
de pôr progressivamente termo à fragrante assimetria atual só será possível com
uma verdadeira regionalização da decisão política e dos meios financeiros
disponíveis. Mas também quando se tiver a lucidez de proceder ao
descongestionamento da capital do país, tendo a coragem de transferir para “o
interior” parte das suas numerosíssimas instituições médico-hospitalares, de
ensino e de cultura. Até porque a proliferação megalocéfala que carateriza
Lisboa cria evidentes dificuldades de coordenação e de gestão, assim como
enormes problemas de custos.
Países há na Europa onde estes tipos de
instituições, mas também algumas das mais altas instituições do aparelho de
Estado, têm sido decentralizadas e instaladas noutras localidades “da
província”. Criando assim nas novas localidades evidentes dinâmicas demográficas,
económicas, sociais e culturais. E, nos novos tempos que vivemos, é de idêntica
coragem que esperam os que continuam a acreditar “no interior” (isto é : na maioria
do território nacional) dos que assumem a responsabilidade do governo da nação…
Texto publicado no diário Público em linha, Lisboa, 8 de novembro de 2016.
Texto publicado no blogue A Vaca Voadora, Lisboa, 9 de novembro de 2016.
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