Estes significativos alheamentos
J.-M. Nobre-Correia
Fundão : Quando individualidades e dirigentes das instituições públicas e privadas,
ausentes numa homenagem a um ilustre cidadão, mostram que estão atingidos pela
perda de memória. Ou por uma triste falta de cultura…
É claro que há explicações. A primeira é
de caráter demográfico : nestas últimas dezenas de anos, a população do Fundão
mudou substancialmente. Não só porque novas gerações constituem hoje
naturalmente boa parte dos seus habitantes. Mas também, consequência clássica
das movimentações de populações, muitos dos habitantes de hoje vêm de outras
partes do país e até mesmo, um pouco, do estrangeiro. Desde logo, a memória da
terra que agora é a sua não faz espontaneamente parte da memória coletiva
deles.
Mas há ainda uma segunda razão que é até
certo ponto consequência da primeira : as principais instituições públicas ou
privadas do Fundão têm hoje à cabeça gente que não nasceu cá. Gente que,
portanto, na meninice ou na adolescência, alturas em que se forma uma
identidade e o sentimento de pertença a um meio sociocultural, não ouviu falar
repetidas vezes de personalidades que marcaram a história da vila que se tornou
cidade.
Vem ainda juntar-se uma terceira razão : à
cabeça de boa parte destas instituições encontram-se pessoas cujo horizonte
cultural no sentido mais amplo da palavra é manifestamente limitado. O que
explica aliás que raras são as instituições capazes de se articularem realmente
com a população, vivendo em círculo fechado e em clivagem permanente com os que
não fazem parte dos seus dirigentes ou do seu pessoal.
Desde logo, e mesmo se o pequeno auditório
do Museu Arqueológico estava mais que repleto, foi significativo notar a
composição do público que participou sábado na homenagem a José Alves Monteiro.
Os dedos de uma mão deveriam chegar para contar os fundanenses nascidos no
Fundão. E os da outra mão chegariam provavelmente também para contar os que
fizeram do Fundão a terra das suas atuais vidas. Enquanto que as personalidades
da terra brilhavam pela ausência, exceção feita para dois membros do executivo
municipal [1]
e dois outros da assembleia municipal [2].
Havia porém, felizmente e significativamente, a numerosa prole de filhos, netos
e bisnetos do homenageado, vinda de longe (na maior parte dos casos de Lisboa),
para encher largamente as instalações do Museu a que o homenageado deu o nome.
No sábado 25 de fevereiro comemoravam-se
127 anos do nascimento de José Alves Monteiro no Fundão e 10 anos da abertura
do seu museu nas atuais novas instalações. É certo que o homenageado foi uma
personalidade marcada por posições políticas conservadoras, em tempos da
Primeira República como do Estado Novo. Mas foi também e sobretudo um alto
magistrado judicial e um homem de cultura, autor livros, estudos e artigos de
caráter literário, histórico, arqueológico e etnográfico.
A ele deve o Fundão muitos dos estudos de
base que permitiram conhecer melhor a história dos homens e dos lugares da
região ao longo de séculos. Mas foi também Alves Monteiro que, pioneiro, fez o
levantamento da riqueza do património cultural da Cova da Beira, nomeadamente no
que diz respeito à sua literatura oral e à sua música popular tradicional.
Sobejas razões para que o Fundão, representado pelo menos pelas suas elites,
estivesse presente nesta homenagem àquele que marcou tão fortemente o século XX
da vila-cidade. Mas essas elites perderam a memória e foram manifestamente
tomadas por outras ocupações porventura inadiáveis : assim vai pois o Fundão
dos nossos dias…
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