Cegueira e imobilismo
J.-M. Nobre-Correia
Média : No caso da ERC, a atitude dos partidos (do governo, da maioria parlamentar e da oposição) é perfeitamente confrangedora…
Para quem fez toda a carreira profissional no estrangeiro e viveu toda a
vida de adulto lá fora (com um regresso recente ao país) há em Portugal coisas
de espantar. Assim a apatia mais ou menos geral da sociedade civil a
acontecimentos e decisões que marcarão o destino dos portugueses. Ou a
indiferença com que os partidos políticos preferem fazer que não veem flagrantes
anomalias no funcionamento da democracia…
Mesmo quando a arquitetura parlamentar e governamental muda de maneira
marcante, nada de substancial muda em certas matérias. É o caso da paisagem
mediática : Portugal tem a imprensa mais frágil de toda a Europa ocidental.
Tanto no que diz respeito ao reduzido número de diários e semanários de
informação geral como às tiragens diminutas destes. E no entanto, neste “tempo
novo” da vida política, nada, absolutamente nada foi feito para que a imprensa
possa ganhar dinamismo e diversificação. Para que os portugueses sejam pluralisticamente
mais informados, de modo a melhor poderem assumir o estatuto de cidadãos.
Nesta matéria, a nova maioria parlamentar (…e a oposição) como o governo (e
em particular o Ministério da Cultura, que tem o sector nas suas atribuições)
têm-se mostrado totalmente amorfos. Dando a impressão horripilante de que este
ultra-subdesenvolvimento da informação escrita lhes convém bem, mantendo os
cidadãos longe ...do que lhes deveria dizer respeito. E tanto mais quanto é
certo que na televisão, média dominante, o infotretenimento
domina, misturando faits divers e
futebol de modo a provocar sensações forte, mas não melhor compreensão da
sociedade em que vivem.
Esta indiferença de cidadãos e parlamentares é posta em evidência com a situação
atual da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. É certo que a
instituição foi criada para instalar uns amigos do PS e do PSD em situação
social e financeira confortável. Cada um nomeia dois aderentes ou
inquestionáveis compagnons de route que
serão eleitos por uma maioria de dois terços da Assembleia da República.
Teoricamente estes quatro cooptam um quinto e os cinco elegem depois o
presidente. Na realidade, o partido no governo escolheu até agora o quinto
elemento e futuro presidente da ERC.
Só que desta vez, o PSD estima que, tendo sido o partido mais votado nas
legislativas, é ele que deve escolher. Encontramo-nos assim com uma ERC
atualmente reduzida a três membros (os outros dois tendo-se demitido) que
deveriam ter cessado funções em 9 de novembro ! O que prova bem que PS e PSD
acham que não há urgência em se ocuparem dos média ...não renunciando no
entanto a nomear gente deles para lugares apetecíveis.
Mas há na situação dois outros aspetos significativos. PS e PSD continuam a
ignorar aliados habituais ou atuais e a considerar a ERC como coutada
estritamente reservada. Enquanto que os demais partidos aceitam de facto esta situação, num mutismo revelador
de insensibilidade em relação a um possível desabrochar de uma informação mais democrática
e pluralista…
Professor emérito de Informação e Comunicação da Université Libre de
Bruxelles
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