Esquecimentos elementares

J.-M. Nobre-Correia
Média : Perante catástrofes do género da de Pedrógão Grande, a imprensa diária não pode continuar a ser concebida como há uns 70 anos atrás. Nem a ignorar alguns princípios do b-a-ba do jornalismo…

Os média em Portugal vão mal e até muitíssimo mal. Perante a tragédia que desde ontem continua a desenrolar-se para os lados de Pedrógão Grande, as televisões de informação contínua aproveitam (no desagradável sentido de tirar proveito) para proporem programas que são um “mix” de distração e de sensações quanto mais violentas melhor !
Mas se dermos uma vista de olhos aos quatro diários ditos “nacionais”, somos obrigados a constatar, também aí, a grande miséria em que vivemos. Quando há um encontro de futebol tardio, por exemplo, as direções dos diários atrasam o fecho das edições, atrasam a hora de as mandar para as rotativas, procuram fazer um esforço contrarrelógio na expedição, de modo a colarem o mais de perto possível à atualidade.
Porém, se a atualidade é inesperada, imprevisível, como é o caso com Pedrógão Grande, embora a atualidade tenha eclodido ontem pelas 14-15h00, numa tarde de verão de sábado, é certo, são incapazes de reagir condignamente. Incapazes de atrasar fechos de edições e idas para rotativas. E sem o menor escrúpulo, propõem-nos no dia seguinte, neste domingo, edições completamente inadequadas às circunstâncias.
Um caso é particularmente flagrante : nem uma linha sobre o assunto na primeira página do Público ! E apenas uma coluna de texto na página 12 onde se diz em título que “Incêndio faz feridos em Pedrógão Grande” ( ! ) e se diz depois no texto que tudo começou “às 14h” : e então não houve tempo para fazer jornalisticamente mais e melhor ? O falhanço é total ! E é claro que o qualificativo de “jornal de referência” não explica nada e não justifica nadíssima perante um acontecimento com uma enorme dimensão plural incontestável.
Os outros três diários ditos “nacionais” propõem-nos edições em que não tomam em consideração dois princípios essenciais do jornalismo. O primeiro : já não é a imprensa diária que anuncia os acontecimentos, essa passou a ser (pelo menos desde os anos 1950) a função dos média eletrónicos (rádio, primeiro, televisão depois, e internet, mais recentemente).
O segundo : não se podem avançar como definitivos dados factuais que tudo leva a crer que vão inevitavelmente evoluir. Dizer em título ou em subtítulo que houve “19 mortos” e “20 feridos”, como fazem o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias é totalmente absurdo : quando o leitor pegou esta manhã no seu jornal, já sabia pela rádio, pela televisão ou pela internet que estes valores eram muitíssimo mais elevados. Pelo que o dito leitor experimentou a desagradável sensação de ter gasto o seu dinheiro com um jornal já velho, prematuramente envelhecido e ultrapassado.
Este sentimento é particularmente forte quando se vê o título do Correio da Manhã, totalmente absurdo em termos jornalísticos. Um título a toda a largura da primeira página, com nada menos de 6,8 cm de altura : “19 MORTOS”. Só que quando o leitor pode comprar hoje este seu jornal preferido, os mortos já eram 40 a 60, segundo a hora a que foi ao quiosque.
O título de primeira página do Jornal de Notícias era tecnicamente melhor : “TRAGÉDIA”. Mas as duas primeiras linhas de subtítulos, falando em “20 MORTOS” e em “20 FERIDOS” vêm estragar a prudência e o talento de que um “titulador” tem que dar prova em tais circunstâncias.
Simples reparos para os quais as redações terão montes de explicações, não duvidemos disso. Mas reparos que se impõem, quando tantas e tantas noções elementares do b-a-ba do jornalismo, da técnica jornalística, são regularmente e até mesmo permanentemente esquecidas…


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