Viver fora do tempo

J.-M. Nobre-Correia
Média : Os critérios de seleção e de hierarquização da informação de atualidade na imprensa diária portuguesa são por vezes surpreendentes, espantosos : a Catalunha é um triste exemplo disso…
Muitas vezes, a imprensa portuguesa dá o sentimento de viver fora do tempo. Demasiadas vezes. E demasiado fora do tempo…
Assim, por exemplo, os dois diários ditos “de referência”. No Público, as eleições de ontem na Catalunha merecem na primeira página de hoje um título bastante secundário, a uma única coluna num total de cinco (1/5) : “Cidadãos não evitam maioria favorável à separação de Espanha”. Enquanto que o Diário de Notícias põe o acento numa ilustração em baixo de página, a 4/5 colunas, com um título pouco visível : “Vitória histórica do Ciudadanos, mas Catalunha continua dividida ao meio”.
É verdade e bem sabido : a Espanha é um Estado situado bastante longe das fronteiras portuguesas. Enquanto que a Catalunha fica mesmo no outro extremo do mundo. Pelo que o que por lá se passa não pode ter a menor incidência em Portugal e na vida dos portugueses : pelo menos é o que parece ao vermos estas primeiras páginas dos diários “de referência” nacionais.
Se não, vejamos como procederam os principais diários de referência dos países geograficamente mais próximos nas suas primeiras páginas. Em França, o matutino Le Figaro tem como título principal a 5/6 colunas : “Élections en Catalogne : le choc indépendantiste” e o vespertino Le Monde faz como título principal a 6/6 colunas : “Catalogne : les indépendantistes renforcés”.
Na Itália, o milanês Corriere della Sera põe como título principal a 4/6 colunas : “Spagna, vincono i separatisti”. O romano La Repubblica tem como título principal a 4/5 colunas : “In Catalogna un voto anti-Madrid ma brilla Ciudadanos”. E no turinês La Stampa o título principal de abertura a 2/6 colunas : “Barcelona nuovo strappo con Madrid” [Barcelona nova rutura com Madrid].
Por fim, na Bélgica, onde se refugiaram o presidente e quatro ministro catalães, o francófono Le Soir põe com título principal a 4/6 colunas : “La Catalogne toujours coupée en deux” e o neerlandófono De Standaard ocupa quase toda a primeira página com o tema, com um título a 4/4 colunas : “ Rajoy gokt en verliest” [Rajoy joga e perde].
Em Portugal, nos dois diários dito “de referência” os títulos de primeira páginas são claramente secundários e situam-se na parte inferior da página. Até porque, ao que parece, a Espanha e a Catalunha ficam longe, muito longe ! Admiremo-nos depois se, vivendo fora do tempo, os potenciais leitores acham que, no fim de contas, podem muito bem dispensar-se da compra e da leitura de jornais em papel…









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