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Do jornalismo bota-fogo

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J.-M. Nobre-Correia Quando os média esquecem que o seu futuro e até a sua sobrevivência estão intimamente ligados aos da democracia plural… Historicamente, a função de emoção sempre coexistiu com a de razão. Os “ocasionais” parajornalísticos, aparecidos em finais do século XV por essa Europa fora, relatavam factos de atualidade com incidência na vida dos meios dirigentes. Mas, um pouco mais tarde, os “canards”, para um público mais popular, falavam de sobrenatural, de milagres, de crimes, de catástrofes naturais mais ou menos excitantes. Com a industrialização da imprensa no século XIX eclodiu também a prática jornalística propriamente dita. E, progressivamente, foram-se decantando dois tipos de imprensa de informação geral. A que dava a prioridade à exposição e interpretação serenas dos factos, a que se dedicará a chamada imprensa de referência. E a que privilegiaria o que era de natureza sensacional, mais preocupada com ingredientes bem condimentados e que se chamará imprensa

Um “comentador” do antigamente…

J.-M. Nobre-Correia O  Público  de terça-feira 27 de novembro publicou nada menos de dois « comentários » de Augusto M. Seabra : um sobre um realizador de cinema e outro sobre um cantor de ópera. Confesso nunca tal ter visto num diário de referência europeu, onde os comentários de cinema e de ópera são assumidos por especialistas diferentes e claramente confirmados em cada uma destas áreas culturais. Ora, o dito Seabra procede no caso do cinema como no caso da ópera com uma incrível ligeireza, inadmissível num diário de referência. No primeiro texto, Seabra afirma a certa altura, a propósito do filme  Antes da Revolução  « que Bertolucci fez na sua cidade — também a cidade de Verdi —, Parma ». Ora Verdi nasceu em Roncole (que se chama hoje Roncole Verdi !) na província de Parma, o que não é a mesma coisa que a cidade de Parma. Por outro lado, Seabra despacha em grande velocidade o filme  Novecento  de Bernardo Bertolucci : « Sim, Bertolucci fez filmes tão desastrados ou mesmo

Estas estranhas anomalias

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J.-M. Nobre-Correia Os média portugueses inventaram o estatuto e até a profissão de “comentador” que bota “opinião” em regime de concessão… O jornalismo português sofre de enfermidades que o impedem de se situar ao nível do que de melhor se faz no resto da Europa. E uma dessas enfermidades é a que reúne duas estranhas anomalias : a superabundância dos “comentadores” todo-o-terreno em regime de concessão e a entronização de políticos profissionais como “comentadores”. Os “comentadores” titulares (“residentes” !) dos média portugueses são de facto uma espécie de concessionários de espaço em papel ou em linha, ou de tempo de antena. Espaço com periodicidade e enquadramento preestabelecidos. E até, pasme-se, com variações de “escrita” autorizadas e adornos da intervenção do “comentador” estabelecidos por este… Nesse espaço concessionado, o “comentador” escreve ou fala sobre o que lhe apetece. Sem sequer se concertar previamente com a redação que o acolhe. Ou então, no audiovisual,

Breves notas de perplexidade…

J.-M. Nobre-Correia Estas duas últimas semanas foram férteis em acontecimentos inquietantes sobre o nosso Estado de direito e a nossa Democracia … Os acontecimentos das últimas duas semanas nos meios das Forças Armadas e da Justiça deixam um muito desagradável sentimento de que estas duas instituições vivem verdadeiramente em roda livre. À margem do Estado de direito e da Democracia. Sem se preocuparem muito nem com aquele nem com esta. E sem que os supostos autores dos atentados a um e a outra sejam imediatamente suspensos, postos fora do ativo, enquanto se desenrolam os devidos processos de instrução. Este sentimento em relação às Forças Armadas e à Justiça é extensivo às chamadas forças da ordem, que são aliás teoricamente um elo de ligação entre aquelas e esta. Mas que se ilustraram estes últimos dias com comportamentos absolutamente inaceitáveis. Quer no que diz respeito à publicação de fotos intoleráveis. Quer no que se refere à recente manifestação em frente da Assembleia

Sair desta aflitiva miséria

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J.-M. Nobre-Correia Portugal dispõe de uma paisagem mediática de informação que não está à altura de uma democracia moderna europeia… Dentro de um mês, o XXI governo constitucional completará três anos de vida. E o balanço da sua ação é mais ou menos contrastado segundo o posicionamento político de quem faz a avaliação. Há porém um sector em que a ação do governo foi inexistente. Até porque os dois titulares que se sucederam no Ministério da Cultura não manifestaram o mínimo interesse pela matéria. Ora, a situação dos média — é deles que se trata — é há longos anos caraterizada por uma profunda inadequação às necessidades de uma sociedade moderna em democracia. Não só porque a paisagem mediática impressa é a mais pobre de todas as da Europa ocidental, em termos de difusões como de pluralismo. Mas também porque as próprias paisagens radiofónica e televisiva são pouco diversificadas, no que diz respeito aos conteúdos como às estruturas de propriedade. A triste realidade é que o

Nova entrevista sobre o meu recente livro

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1-Qual a ideia que esteve na origem deste livro «Teoria da Informação Jornalística? R- Durante 31 anos, dei a estudantes de Ciências da Informação e da Comunicação, na Université Libre de Bruxelles, uma matéria que mudou duas vezes de nome e que acabou por se intitular Teoria da Informação Jornalística. Como apoio às exposições orais desta matéria, publiquei um manual ( Théorie de l’Information Journalistique ) que teve 21 edições diferentes e várias reimpressões. Manual que alguns amigos portugueses me propuseram mais de uma vez que eu o publicasse em Portugal. Mas eu nunca tive a disponibilidade de tempo necessária para me ocupar de uma edição em português… Regressado a Portugal, após mais de 45 anos de residência em Bruxelas, resolvi ocupar-me eu próprio da tradução e da devida adaptação : não se trata pois exatamente do mesmo livro, a edição em francês sendo bastante mais extensa. E decidi fazê-lo porque penso que não há livro nenhum do mesmo género publicado em português

É urgente repensar o telejornal

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J.-M. Nobre-Correia A RTP tem pouco a ver com uma televisão de serviço público. Os poderes públicos deveriam pois refletir sobre o seu futuro… Enquanto dura a truanice em torno da direção da informação, seria bom que nos interrogássemos sobre o jornalismo que a RTP pratica nos seus telejornais. E sobre a qualidade da informação a que deveríamos ter direito, de modo a justificar a existência de uma televisão pública. Os telejornais da RTP 1 são exageradamente longos, duas a três vezes mais do que os das congéneres europeias. Não porque os assuntos sejam abordados de maneira mais aprofundada. Antes pelo contrário : é a superficialidade que os carateriza. Tanto pela hierarquização adotada como pela diversidade temática limitada, como ainda pelo tratamento jornalístico elementar praticado. A hierarquização dos factos é geralmente chocante. É verdade que não há ciência exata nenhuma nesta matéria e que posicionamentos editoriais diferentes explicam opções diferentes. Mas na RTP 1 a

Entrevista : A propósito do meu recente livro

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J.-M. Nobre-Correia foi sucessivamente investigador, assistente e professor no Departamento de Ciências da Informação e da Comunicação da Université Libre de Bruxelles, de 1970 a 2011. Regressado a Portugal, acaba de publicar  Teoria da Informação Jornalística na editora Almedina. Qual a principal preocupação ao publicar uma obra que acaba por ser uma profunda viagem ao mundo do jornalismo? A primeira preocupação foi de pôr na minha língua materna um livro que escrevi em francês e teve um total de 21 edições, com três títulos diferentes sucessivos que correspondiam aliás à própria evolução do título da cadeira de que fui professor titular nos anos académicos 1980-81 a 2010-11 na Université Libre de Bruxelles. Por outro lado, penso saber que em Portugal os docentes do ensino superior passaram a ter por hábito propor bibliografias de livros e artigos em relação com a matéria de que são titulares, não redigindo eles próprios manuais que tratem dessa matéria. E daí que eu tenha pen

Enquanto esperam o que vai vir…

J.-M. Nobre-Correia Administrações locais “do interior” estão habituadas a reinar soberanamente, com pouco respeito pela lei e pelos cidadãos. Até que os média “nacionais” e a justiça comecem a interrogar-se sobre elas… Diz quem frequenta altas instâncias da administração pública na Beira Interior que uma “opinião” publicada no  Público provocou uma certa agitação nesses meios 1. Tanto mais que veio acrescentar-se o facto do mesmo jornal publicar uma e outra investigações sobre falcatruas em municípios da Beira Interior. Coincidências que fizeram recear outras “opiniões” mais explícitas e outras “investigações” sobre outros municípios… É que há de facto muitas razões para que os média “nacionais” se venham a interessar pelo que se passa na Beira Interior : basta saber alertar jornalistas especializados nestas matérias. E essas razões são sobejas, tendo as administrações públicas locais vivido numa quase impunidade, longe dos poderes judicial e mediático nacionais. Situaçõ

Para perceber os caminhos da informação jornalística

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Em obra há pouco publicada, o  especialista de médio Nobre-Correia apresenta os caminhos da produção jornalística 1. Que diferença faz a obra Teoria da Informação jornalística no panorama das obras sobre comunicação e comunicação jornalística? Direi antes do mais que faço uma distinção essencial. Há por um lado a chamada  comunicação , que tem por origem as assessorias de empresas e instituições, e que está ao serviço dos interesses destas. Hápor outro lado a  informação , fruto da produção jornalística e que está ao serviço dos cidadãos leitores, ouvintes, espectadores ou internautas. Nesta perspetiva, a  Teoria da Informação Jornalística parece-me ser bastante original no panorama editorial português onde há alguns manuais que tratam da técnica jornalística, de como executar diferentes tarefas jornalísticas. Enquanto o meu livro consiste numa abordagem do funcionamento do sistema da informação, dos seus aspetos teóricos e dos seus mecanismos práticos. Há assim nele uma iniciação

As outras "baixas densidades"

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J.-M. Nobre-Correia Os poderes locais vivem numa quase impunidade, irregularidades e ilegalidades sendo moeda corrente… Ser imperial e centralista é a tendência natural de Lisboa : os últimos séculos provam-no sobejamente. Foi-o em relação aos territórios de além-mar. E continua a sê-lo em relação ao Portugal “do interior”, para além do território que considera ser a sua inevitável área de expansão. Com o regresso da democracia, a situação não mudou de maneira claramente percetível. E os projetos atuais de descentralização municipalista, sem criação de regiões, acentuarão ainda mais a situação dos pequenos potentados locais que se comportam como reizinhos da terra. A verdade é que a desgraça económica, social, cultural e demográfica em que se encontram as regiões de “baixa densidade” não são só fruto da tendência imperial e centralista de Lisboa. A situação convém perfeitamente a notáveis locais que vivem assim em grande impunidade no que diz respeito ao Estado de direito, às

Interrogações e incertezas várias

J.-M. Nobre-Correia Média : Uma primeira operação foi concretizada. Mas as negociações para a venda do Jornal do Fundão  parece terem encalhado num impasse… Na série de textos aqui publicados sobre o futuro do  Jornal do Fundão [ 1 ] , houve um elemento que não foi frisado e que o deveria ter sido. Aquele que consistia em dizer que a operação de compra-venda da empresa editora deveria operar-se em dois tempos. Num primeiro tempo era a Global Média, acionista maioritário que tomaria o controle das ações detidas pelas filhas de António Paulouro. E só num segundo tempo é que a Global Média procuraria vender a totalidade ou a maioria da sua participação aos potenciais candidatos. Ficando no entanto a porta aberta a outros possíveis compradores, caso não houvesse finalmente entendimento com os atuais. Entretanto foi publicado o anunciado texto na primeira página do  Jornal do Fundão  (“Fim de ciclo”) assinado pelas irmãs Maria Teresa e Maria José Paulouro, e pelo primo Fernando Paulo

Fim de um longo capítulo

J.-M. Nobre-Correia Média :  O texto aqui publicado ontem suscitou grande curiosidade (confirmada pelo número de páginas vistas). Acrescentemos-lhe então duas informações complementares sobre a atualidade vindoira do  Jornal do Fundão . A primeira : no número da próxima quinta-feira, o  Jornal do Fundão  publicará um texto de Maria Teresa e Maria José Paulouro (filhas de António Paulouro, fundador e primeiro diretor do semanário), assim como de Fernando Paulouro Neves (sobrinho de António Paulouro e seu sucessor como diretor), explicando a saída da família da empresa editora do jornal. A segunda : os novos proprietários do  Jornal do Fundão  serão obrigados a deixar as instalações atuais situadas na rua …Jornal do Fundão ( ! ) o mais tardar dentro de dois meses, sendo o edifício propriedade das irmãs Maria Teresa e Maria José Paulouro. Um edifício da varanda do qual o presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira, em visita, saudou o povo do Fundão em janeiro de 1963…

Do hermetismo à transparência

J.-M. Nobre-Correia Média : A mudança de propriedade do  Jornal do Fundão  que vai ser anunciada parece tomar aspetos de  matriosca  russa : a boneca mostrada ao público esconderá talvez outra que não convém ser vista… Uma antiga redatora do  Jornal do Fundão  retoma no  Facebook  o editorial do diretor interino do semanário na sua última edição. O que leva o leitor negligente a ter que ler o dito editorial, o que não é nada hábito, dado o estilo pouquíssimo jornalístico da dita prosa. E a peça da página 2 do jornal de ontem prova uma vez mais o hermetismo de uma escrita para iniciados, quando é a limpidez que deve ser caraterística do jornalismo. Claramente, o dito editorial (intitulado enigmaticamente “Só nós ou também os outros ?”) deixa antever o próximo anúncio da mudança de propriedade do  Jornal do Fundão [ 1 ] . É sabido já há algum tempo que as filhas do falecido António Paulouro, fundador e primeiro diretor do  Jornal do Fundão , venderam ao grupo Global Média a parte