Espantos de um estrangeirado-retornado

J.-M. Nobre-Correia *
Para quem viveu toda a vida profissional na “capital da Europa”, Portugal é uma caixinha de surpresas mediáticas e de tristes constatações ! As surpresas não vêm das estruturas socioeconómicas dos média, de que se tomou conhecimento de longe. Mas sim da prática quotidiana da informação e, no caso do audiovisual, da conceção da programação.
Na maior parte dos média, a informação diária é construída em torno de três ingredientes : o sensacional (que provoca medo, repulsa, revolta), a partidarite (sobretudo em torno de comunicados e declarações de líderes, de ministros e do inevitável presidente da República) e o futebol (com especial enfâse para as elucubrações de treinadores, presidentes e capitães). A hierarquização entres eles varia porém de um dia para o outro.
O resto, pouca importância merece. A atualidade estrangeira e internacional é diminuta e tratada segundo as agências anglo-norte americanas. Enquanto a economia e a cultura, fora da abordagem política de uma e de outra, são quase inexistentes. E é  claro : a vida gira em torno do umbigo da “capital do império”. Até porque, contrariamente ao que acontece na maior parte dos “grandes países” e até mesmo dos “pequenos países” europeus, redações e centros de produção estão unicamente sediados em Lisboa, com uma pequena exceção do Porto. O resto do país está pois largamente ausente da informação diária nacional.
É verdade na rádio e na televisão, mas é-o ainda mais na imprensa. Uma imprensa diária e semanal quase inexistente em termos de tiragens como de títulos publicados. Em tiragens, a situação da imprensa generalista é miserável, com valores próximos de um Luxemburgo, país com apenas 500 mil habitantes, as duas línguas oficiais dominantes sendo o alemão e o francês, o que leva os luxemburgueses a ler também a imprensa dos países limítrofes. Depois, e com a exceção de um pequeno título em Évora, nenhum diário é publicado fora da orla litoral centro-norte.
No que se refere à televisão, média dominante em Portugal, boa parte das emissões são à base de espaços “concessionados” aos mesmos palradores de sempre, “especialistas” em tudo. Vêm acrescentar-se-lhes produções estrangeiras, sobretudo brasileiras (com as abundantíssimas telenovelas) e estado-unidenses (no caso de filmes e de séries). O que quer dizer : uma televisão largamente desprovida de produção própria, quer em termos de informação como de divertimento. Um subdesenvolvimento particularmente inquietante, caraterístico de verdadeiro terceiro mundo…
* Professor emérito de Informação e Comunicação na Université Libre de Bruxelles, autor da “Teoria da Informação Jornalística” publicada estes dias pela editora Almedina.

Texto publicado no jornal Meios & Publicidade, Lisboa, n° 811, 6 de abril de 2018.

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