Questões de democracia e de calendário

J.-M. Nobre-Correia
Dizem os francófonos, naquela que é minha outra língua, que …il y a des choses qu’on ne dit pas, mais cela va mieux en le disant. Com duas traduções possíveis : há coisas que não se dizem, mas mais vale dizê-las / sentimo-nos melhor dizendo-as !
Tenho para mim, há muitos, muitos anos, que há três instituições que não foram devidamente democratizadas depois do 25 de Abril : a Justiça (eternamente insatisfatória, lenta e conservadora), a Diplomacia (elitista, mundana e conservadora) e as Forças Armadas (tendo o 25 de Abril tido como origem um golpe militar, quem não foi saneado foi sobrevivendo entre os sobressaltos da democracia). E, pelo menos no que diz respeito à Justiça e às Forças Armadas, é manifesto que elas vivem em roda livre, longe do controlo mais elementar das instituições democráticas.
O que se está a passar atualmente com a Justiça e com as Forças Armadas é significativo. Manifestamente na (inacreditável e escandalosa) questão de Tancos, os militares implicados decidiram resolver o assunto entre camaradas de armas e não tomar em consideração a legalidade do mundo civil. Enquanto que a Justiça resolveu deixar uns dossiês com implicação de políticos para o preciso momento da campanha eleitoral, sem se esquecer de instrumentalizar média e jornalistas, como é seu hábito. Como se tais dossiês não pudessem ser trazidos para a praça pública só depois de 7 de outubro (pudesse isso embora implicar decisões sem consequências de maior).
O facto é que, temos que ter consciência disso, esta Justiça, que anda há mais de 45 anos sem ser devidamente democratizada, tem cada vez mais como imagem tutelar um tal Sérgio Moro, que não é propriamente aquilo a que poderemos chamar um exemplo de democrata. Pelo que é urgente que nos acautelemos e não permitamos que a Justiça se atribua funções que não são constitucionalmente as suas. Ao mesmo tempo que esperamos que ela assuma, com a devida eficacidade e sem as habituais delongas, aquelas que a Constituição justamente lhe confere…

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