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A mostrar mensagens de dezembro, 2020

As ambições e as realidades

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  J.-M. Nobre-Correia Desde ontem, o  Diário de Notícias  é publicado de novo todos os dias. Mas que podemos esperar deste novo-velho jornal diário?… O  Diário de Notícias  voltou ontem às bancas. Todos os dias e não apenas uma vez por semana, como acontecia desde 30 de junho de 2018, primeiro aos domingos e depois aos sábados. Regozijem-nos com tal iniciativa. Que mais não seja porque são demasiado poucos os diários ditos “nacionais” publicados no país. Mas também porque não é desejável que os cidadãos disponham, como até agora, de um único diário dito “de referência”: em princípio, o pluralismo dos média e das abordagens da atualidade tem sempre algo de positivo. O problema é o de saber se o Global Media Group dotou o jornal das condições mínimas indispensáveis para poder ser um diário “de referência” publicado sete dias na semana. Isto é: um jornal que dispõe dos meios humanos, técnicos e financeiros necessários para produzir uma sólida e pertinente cobertura (quantitativa e qualita

Primeiro dia de exílio

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  J.-M. Nobre-Correia Faz hoje 54 anos que cheguei ao meu destino de exílio. Era já noite escura e chovia em Bruxelas. Não conhecia ninguém, ninguém estava à minha espera e o meu francês era então menos que rudimentar. Logo à chegada, a pega da minha mala tinha resolvido rebentar! Quem me ajudou a repará-la perguntou-me se eu era belga. Disse-lhe que não. E eu respondeu-me: “eu também não, sou flamengo”. Compreendi assim logo nos primeiros instantes que havia um problema em Bruxelas com que eu nem sequer tinha sonhado! Só, em terra desconhecida, a única referência de que dispunha era a de um artigo publicado duas semanas antes no  Diário de Lisboa  (Ver ilustração). Sob pretexto de “indicações sobre a vida dos estudantes latino-americanos na Bélgica”, eram nomeadamente mencionadas instituições dotadas de alojamentos e os respetivos endereços. O género típico de texto teoricamente desprovido de interesse num jornal português para leitores portugueses. Mas um texto que fornecia assim inf

Falemos de anjinhos!

  J.-M. Nobre-Correia Falemos de anjinhos! Não de anjinhos tão em voga nesta época do ano e que tanto ilustram os mais diversos impressos da época. Nem de anjinhos para embalar criancinhas com histórias para dormir de pé. Não!: de anjinhos com carteira de jornalista, o que, digam lá!, é bem mais curioso… Pois os ditos anjinhos com carteira de jornalista andam para aí a escrever e a dizer que “Marcelo” (sic) tem mais assinaturas para concorrer às próximas eleições para a presidência da República do que outros: “quase o dobro”. E também que o tal “Marcelo” vai gastar menos dinheiro na campanha do que outros: “quase metade”. Digam lá depois que esses detentores de carteira de jornalista não são uns anjinhos?! Falam todos, todos os dias do dito “Marcelo”, quando ele fala de tudo e de nada, quando ultrapassa regularmente os seus poderes constitucionais, quando intervém na vida governamental e se permite criticar uns e outros, quando vai beber um ginjinha e todas as demais situações caricata

Reparos a propósito de entrevistas

J.-M. Nobre-Correia Depois de ter visto quatro das cinco “entrevistas” da  RTP  1 no quadro da campanha para as eleições presidenciais (não vi a do candidato de Iniciativa Liberal), queria aqui fazer uns breves reparos. É uma evidência que a atitude do detentor da carteira de jornalista encarregado de tais emissões é totalmente inadmissível em termos de pura técnica jornalística. Mas é também absolutamente intolerável no que se refere ao respeito para com os “entrevistados” e também para com os espectadores, sobretudo numa televisão de “serviço público” paga pelos residentes neste país. Se houvesse uma verdadeira direção da informação na RTP, competente e a exercer o seu papel com a devida autoridade, o entrevistador teria sido cuidadosamente escolhido. E depois de escolhido, teria sido devidamente instruído pela dita direção da informação sobre a maneira de exercer a missão para que fora escolhido. É claro que, uma vez que exerceu com total incompetência e agressividade a primeira ent

A aleatoriedade de um sonho

J.-M. Nobre-Correia Eu sei!, eu sei!: quando vemos uma apresentadora discreta e não tendenciosa na formulação das suas intervenções, como é o caso desde ontem, somos muitos, muitos a sonhar que um dos apresentadores habituais tenha finalmente desaparecido dos ecrãs da RTP! Todos sabem de que apresentador se trata: daquele cheio de tiques faciais e gestuais, que faz frases com suspenses a propósito de tudo e de nada, e que acaba escandalosamente com um piscar do olho (que nenhuma televisão com um mínimo de exigência profissional deveria tolerar). Mas também daquele que agora faz revisionismo a propósito da trágica história dos nazis em relação às futuras vítimas do genocídio. E. aquele também que ainda há dias começou por introduzir uma entrevista com o principal responsável do programa de vacinação anti-covid, fazendo afirmações factualmente falsas. Dois casos recentes que teriam provocado um afastamento de qualquer televisão decente de um país europeu de velha democracia. Eu sei!, eu

A rádio parente pobre da televisão

J.-M. Nobre-Correia Conhecendo as situações das rádios e das televisões públicas na Europa, tenho, no entanto, tendência a considerar que a melhor situação para a rádio é a de uma instituição autónoma. Só assim ela depende do seu próprio orçamento, dos seus próprios equipamentos técnicos, do seu próprio pessoal, de modo a decidir da sua própria programação e do seu tratamento específico da informação. Quando ligada na mesma instituição à televisão, esta tem claramente tendência a absorver em seu proveito os meios teoricamente atribuídos à rádio. A entrevista de duas páginas do presidente da RTP no  Público  de hoje é significativa. Para além de considerações gerais sobre a instituição, tudo, absolutamente tudo o que é perguntado e respondido diz respeito à televisão e unicamente à televisão. Numa das respostas, o entrevistado faz referência a “todo o universo da rádio”, nestas cinco palavras apenas, sem nada explicitar sobre o assunto. E na penúltima pergunta é finalmente abordado “o f

Um género chamado entrevista

J.-M. Nobre-Correia O jornalismo não é uma ocupação em que se ganha a vida sem preocupações de formação ou de princípios técnicos a respeitar… Entrámos em campanha eleitoral! Estamos, pois, em tempo de entrevistas! E, dados os hábitos portugueses de consumo mediático, são as entrevistas em televisão que têm dominado as conversas, assim como os ecos que imprensa e rádio depois nos propõem. Ora as entrevistas que têm passado nas televisões generalistas têm suscitado muitas críticas. Por razões ligadas às formas de tratamento adotadas pelos entrevistadores e, por vezes, pelos próprios convidados. Por se considerar que, em muitos casos, os jornalistas são de uma intolerável agressividade. Porque o entrevistador se permite demasiadas vezes interromper o convidado, impedindo-o de concluir a sua resposta ou argumentação. Mas até porque a entrevista redunda repetidas vezes num pugilato em que as duas partes falam ao mesmo tempo. Para não falar no facto bem real de ver entrevistadores passarem

Um rafeiro rosnador

J.-M. Nobre-Correia A emissão da  Sic Notícias  de anteontem com Pedro Nuno Santos foi antes do mais um triste festival de incompetência e má educação… A benevolência de amigos de  Facebook  levou alguns a insistir para que eu visse a entrevista do ministro das Infraestrutura e da Habitação de anteontem, ao fim do dia, na  Sic Notícias . Até porque a dita entrevista constitui “um must”, escreve um, e é um “excelente case study [para] os cursos de jornalismo”, segundo outro. Ora, como já tive ocasião de escrever aqui, não sou nada amador de “emissões de palavreado”, sobretudo “à portuguesa”: insuficientemente preparadas, com pessoas a falarem ao mesmo tempo e detentores da carteira de jornalista a interromperem constantemente o entrevistado, procurando mostrar que sabem mais do que ele. Por outro lado, vivendo em Portugal há poucos anos, o facto de ter descoberto um dia que um estipendiário da  Sic  tivera a lata de publicar um livro intitulado  O meu programa de governo  (é mesmo caso

Insuficiências de uma entrevista

J.-M. Nobre-Correia A emissão de ontem com o atual presidente da República pôs uma vez mais em evidência algumas tristezas do jornalismo português… Uma confissão se impõe: desde que regressei a Portugal, vejo ultra-ultra-raramente nas televisões nacionais aquilo que chamo “emissões de palavreado”. Por uma questão de higiene mental e para não perder tempo com o que raramente vale a pena. Mas houve quem chamasse a minha atenção para duas emissões de ontem na  Sic Notícias , pelo que acabo de ver a entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa. A dita entrevista reforçou o meu sentimento de que estas emissões são geralmente uma perda de tempo. E que são tecnicamente detestáveis, com hábitos que se criaram no jornalismo português que não são aceitáveis em termos europeus de jornalismo de qualidade. Primeiro reparo: o entrevistado estava ali como candidato às próximas eleições presidenciais. Não deveria pois ser tratado por “Senhor Presidente” mas sim por “Marcelo Rebelo de Sousa”, por extenso, par

Duas estranhas práticas

  J.-M. Nobre-Correia Ver um telejornal em Portugal é assistir a particularidades incompreensíveis à luz do melhor jornalismo europeu… Há nos telejornais portugueses práticas particularmente estranhas e absolutamente intoleráveis em termos jornalísticos. Uma dessas práticas é a que consiste em fazer dos diretores de jornais “comentadores” dos telejornais. Sobre matérias bastante diversas, como é aliás hábito num jornalismo português em que os “tudólogos” são legião. Quando se é promovido a diretor de jornal (de preferência diário), passa-se automaticamente a “comentador” [ 1 ] ! Com uma perspetiva de futuro clássica e terrivelmente caricatural: quando se deixa de ser diretor, deixa-se automaticamente de ser “comentador” de telejornal! Passe o Leitor em revista os sucessivos diretores dos diários ditos “nacionais” e verão que é bem assim. Qual será a verdadeira explicação para tal “promoção” televisiva dos diretores de jornais? Tentar a estação de televisão estabelecer relações instituc

Dignidade e coragem

Dizer que a diretora do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) se demite nove meses depois do assassinato de um imigrante ucraniano no aeroporto de Lisboa, merece pelo menos um comentário: triste país onde nunca há pressa na tomada de decisões que o dignifiquem aos olhos dos estrangeiros e dos seus próprios cidadãos!… Triste país onde os chamados “brandos costumes” revelam sobretudo falta de dignidade e de coragem!…

Assim vamos andando…

  J.-M. Nobre-Correia Deixem-me que lhes diga duas coisas a propósito do que se passa atualmente no meio televisivo português. Primeiro: se as televisões generalistas privadas procederam como procederam estes dias em termos de programação, no seguimento da morte de uma jovem num acidente de viação, só porque a jovem tinha como origem uma família ligada à música popular, é porque os legisladores e os antecessores da ERC não tiveram a lucidez prospetiva e a coragem de estabelecer previamente, antes da atribuição das licenças de emissão às ditas televisões, cadernos de encargos suficientemente precisos de modo a impedir tal tipo de derrapagens, derrapagens aliás bastante frequentes, embora tomando aspetos diferentes. Mas é também porque, atualmente, a ERC continua a preferir quase sempre uma atuação que não “faz ondas”, pelo que os média faltosos continuam a fazer o que lhes dá na real gana… Segundo: o meu conhecimento das televisões europeias e mais particularmente das televisões belgas,

A versão séria de "Charlie Hebdo"

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J.-M. Nobre-Correia Quem nunca leu  Charlie Hebdo , tem do semanário francês a ideia de um jornal satírio, irreverente, anticlerical e um pouco anarca. É, na melhor das hipóteses, aquilo que dizem os média nacionais. E tudo isso é de facto verdade. Mas  Charlie Hebdo  é mais do que isso: nas suas 16 páginas semanais, para além dos desenhos humorísticos largamente presentes, há toda uma série de textos que são muitas vezes reflexões interessantes sobre a sociedade e o tempo que vivemos.  Alguns dos seus cronistas têm nomeada na área que é a deles: caso de Jean-Yves Camus, por exemplo, especialista dos movimentos de extrema-direita. Como era o caso do economista Bernard Maris, vítima do atentado de 7 de janeiro de 2015. No número datado de 2 de dezembro (…comprado hoje), este artigo sobre a evolução do jornalismo estado-unidense e, mais geralmente, anglo-saxónico: preocupante…  

Recordando a Saint-Nicolas

  J.-M. Nobre-Correia No decorrer dos anos, consegui reagrupar as aulas das minhas três cadeiras teóricas nas tardes das segundas e das terças-feiras dos dois semestres. O que permitia passar eventualmente o resto dos dias da semana por essa Europa fora e até mesmo vir a Portugal. As minhas aulas teóricas tinham fama de se desenrolarem sem barulho, sem confusão, sendo a tranquilidade e o silêncio interrompidos apenas pelas intervenções dos estudantes e pelas minhas, claro. Aulas que contavam sempre com a presença de mais de uma centena de estudantes, quando a assistência a aulas teóricas nem sequer era obrigatória. O que explicava que as eleições para a delegação estudante no Conselho de Departamento fossem anualmente organizadas no início de uma das minhas aulas de duas horas, durante uns 15-20 minutos. Como explicava que a pequena festividade da Saint-Nicolas irrompesse anualmente numa das minhas aulas, nos primeiros minutos do dia mais próximo de 6 de dezembro. Entrava então majesto