Duas estranhas práticas

 J.-M. Nobre-Correia

Ver um telejornal em Portugal é assistir a particularidades incompreensíveis à luz do melhor jornalismo europeu…

Há nos telejornais portugueses práticas particularmente estranhas e absolutamente intoleráveis em termos jornalísticos.

Uma dessas práticas é a que consiste em fazer dos diretores de jornais “comentadores” dos telejornais. Sobre matérias bastante diversas, como é aliás hábito num jornalismo português em que os “tudólogos” são legião. Quando se é promovido a diretor de jornal (de preferência diário), passa-se automaticamente a “comentador”[1]! Com uma perspetiva de futuro clássica e terrivelmente caricatural: quando se deixa de ser diretor, deixa-se automaticamente de ser “comentador” de telejornal! Passe o Leitor em revista os sucessivos diretores dos diários ditos “nacionais” e verão que é bem assim.

Qual será a verdadeira explicação para tal “promoção” televisiva dos diretores de jornais? Tentar a estação de televisão estabelecer relações institucionais cordiais com os confrades da imprensa escrita e tentar assim que os ditos jornais não prestem muito atenção ao que se passa nos gabinetes e corredores da estação? Procurar seduzir os ditos confrades para que os seus jornais não sejam demasiado críticos em relação à programação e à informação praticadas pela estação?

Estas interrogações têm tanto mais sentido que, numa análise elementar de base, os diretores de jornais deveriam reservar a originalidade dos seus “comentários”, a mais valia das suas análises, aos seus leitores (e não aos espectadores de média concorrentes). Por que irão os leitores tradicionais comprar no dia seguinte jornais, se já sabem pela televisão o que pensam os seus diretores, que são aliás os editorialistas habituais desses jornais? Isto para além mesmo de uma evidência: não deveriam os diretores de jornais estar preferentemente a essa hora nas suas redações a reler e ajustar textos de redatores e colaboradores, e a assumir o fecho das edições?

Outra prática absolutamente insuportável é a que consiste em ver regularmente jornalistas a tratar convidados unicamente pelo nome próprio (sem o apelido) e até mesmo por “tu”. Como é absolutamente intolerável que o jornalista trate corretamente o seu convidado pelo título académico, por exemplo, e o convidado trate o jornalista apenas pelo nome próprio[2], estabelecendo assim com aquele uma inadmissível relação de superioridade, que nada autoriza. O jornalista deve guardar a desejada distância e o devido respeito com o seu convidado, princípios da mais elementar cortesia que este deve tomar igualmente em consideração na sua relação com o profissional que o entrevista…

Estas banalidades, estes princípios de base deveriam ser imperativamente ensinados nas escolas de jornalismo logo nas primeiras lições de teoria e de técnica jornalísticas. E deveriam figurar como princípios a respeitar absolutamente, sem exceção alguma, nos “livros de estilo” a entregar e fazer assinar por todo e qualquer estagiário, logo no dia em que dá entrada numa redação. Há porém que recear que não seja isso que se faz no ensino como nas redações. Vem depois juntar-se a estas duas exigências um demasiado generalizado amadorismo, falta de exigência e de rigor, um “aproximativismo” que redunda num “é tudo igual ao litro”, que tanto caraterizam a sociedade portuguesa. Queixemo-nos depois de que o jornalismo em Portugal não esteja à altura das necessidades de uma democracia moderna, no sentindo mais pleno e polivalente do termo…


[1] A nova diretora do Diário de Notícias foi assim promovida ontem a “comentadora” do telejornal das 21h30 da RTP 2.

[2] Foi o caso ontem no mesmo telejornal das 21h30 da RTP, a jornalista apresentadora tratando uma vez e outra um convidado por “professor” e este tratando-a arrogantemente pelo nome próprio.

Comentários

  1. Muito bom! Parabéns pela excelente intervenção!

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  2. Em todos os setores do nosso jardim à beira mar plantado há um horror existencial pela diversidade. Louvo a sua coragem que vence o medo de existir de que nos falou o filósofo José Gil.

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  3. Pois, não aprenderam na escola de jornalismo e não aprenderam na escola primária e os pais não lhes ensinaram uma coisa que se chama EDUCAÇÃO.

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