Um rafeiro rosnador

J.-M. Nobre-Correia

A emissão da Sic Notícias de anteontem com Pedro Nuno Santos foi antes do mais um triste festival de incompetência e má educação…

A benevolência de amigos de Facebook levou alguns a insistir para que eu visse a entrevista do ministro das Infraestrutura e da Habitação de anteontem, ao fim do dia, na Sic Notícias. Até porque a dita entrevista constitui “um must”, escreve um, e é um “excelente case study [para] os cursos de jornalismo”, segundo outro.

Ora, como já tive ocasião de escrever aqui, não sou nada amador de “emissões de palavreado”, sobretudo “à portuguesa”: insuficientemente preparadas, com pessoas a falarem ao mesmo tempo e detentores da carteira de jornalista a interromperem constantemente o entrevistado, procurando mostrar que sabem mais do que ele. Por outro lado, vivendo em Portugal há poucos anos, o facto de ter descoberto um dia que um estipendiário da Sic tivera a lata de publicar um livro intitulado O meu programa de governo (é mesmo caso para dizer: sic) não me motivava nada para ver programas com tal sujeito.

Logo nos primeiros minutos da emissão de 47m19s, a minha irritação foi tal que abandonei e fui fazer outra coisa: só longas horas depois resolvi forçar-me a vê-la. Aquele sujeito que abriu o programa lendo as folhas que tinha à frente dele, hesitando aqui e ali, parece desconhecer que há aparelhos chamados telepontos que, em televisão, permitem ler olhando para a câmara, para os espectadores, pois é a estes que em princípio ele se dirige. Mas o sujeito é sobretudo de uma arrogância inacreditável e inacreditavelmente mal-educado, tratando o ministro por “Pedro” e unicamente por “Pedro” (pelo menos cinco vezes) — quando o ministro o tratava sempre pelo nome completo — e dizendo “vocês” (pelo menos três vezes), em lugar de um educado “os senhores” ou “o governo”, por exemplo.

Mas o dito sujeito começou logo por interromper a primeira resposta do ministro à pergunta do seu colega, fazendo uma pergunta sobre um assunto diferente, querendo impor-se como “petit chef” autoritário e dizendo que “as regras desta entrevista e deste estúdio são definidas” por ele, claro! Depois, como se esta cena inicial de agressividade não bastasse, o dito estipendiário da Sic pôs-se a fazer um discurso sobre o Natal dos trabalhadores da TAP que, vindo dele, só podia ser considerado como demagógico; a fazer notar ser “um ministro de esquerda a despedir milhares de pessoas” da mesma TAP; a dizer que falar “das companhias”, como ele, ou “de algumas companhias”, como o ministro, “é semântica”; a fazer um brilharete de puto de escola primária, calculando mentalmente e transformando imediatamente os salários anuais que o ministro citava em salários mensais. Isto a acrescentar a perguntas formuladas de maneira claramente enviesada ou tomando posição, dirigindo-se ao ministro em tom irónico do género “os vossos despedimentos são mais suaves do que os da direita” ou “acha que qualquer contribuinte português […] vai suportar um novo Novo Banco?” …e atribuindo-se mesmo a autoria desta fórmula de “novo Novo Banco”!

Ao lado deste indivíduo, o segundo entrevistador, discreta e educadamente tratou sempre Pedro Nuno Santos por “Senhor Ministro”. Embora o ministro, que sempre tratou também o diretor do Expresso pelo seu nome completo, se tenha deixado ir a um “João, João” que só se pode explicar (sem justificar) pelo breve momento de confusão em que foi pronunciado e pelo facto, se bem percebi, de terem andado os dois na mesma escola. E note-se que este mesmo segundo entrevistador nunca entrou nas confusões criadas pelo outro “entrevistador”, nem procurou transformar a entrevista em debate, como este “entrevistador” tentou mais de uma vez fazer …acusando o ministro disso!

Licenciado em Comunicação Social, segundo a Wikipedia, não devem ter ensinado ao apresentador do programa um certo número de princípios em matéria de jornalismo. Ou então, se lhos ensinaram, ele manifestamente não os assimilou. A não ser que a arrogância de “petit chef” o tenha levado, com o tempo, a considerar que está no direito de esquecer os ditos princípios. No fundo, a atitude que foi a dele ao longo do programa lembrou-me aquilo que em francês se designa por um “roquet”, isto é: um cachorro rosnador, maldisposto, agressivo. E é dificilmente compreensível que um grupo importante como a Impresa ouse pôr no ecrã um sujeito como este e, pior do que isso, que tenha feito dele um “diretor adjunto de informação” da Sic: vivem-se decididamente tempos trágicos e preocupantes nos média dominantes deste país!… 

Comentários

  1. Aquele entrevistador foi ótimo para a imagem do ministro. Adorei as respostas, os pontos de ordem, a chamada para os pontos importantes sem os deixar cair na refrega verbal. Em suma, o ministro até parecia que estava à mesa degustando um cachorro quente! O PS tem ali um futuro líder garantidamente.

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  2. Uma trituradora Molinex não teria feito melhor :)

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  3. Sr. Professor, muito obrigada pelo seu comentario. Esta justissimo.

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  4. Muito bem descritas e desmontadas as atitudes diferentes dos jornalistas. Eu já não vejo nada onde participe esse JGFerreira. Por insistência da minha mulher e por o entrevistado ser o ministro PNSantos acedi. Gostei muito do ministro, aliás, enquanto ele pensar como pensa, será no futuro o meu primeiro-ministro.

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  5. Consabidos a falta de educação, a pesporrência e o facciosismo do dito "entrevistador", resisti a ver a entrevista em apreço mas, após a leitura deste seu magnífico texto, creio mesmo que vou fazer esse sacrifício (precavendo-me com com a toma prévia de uma rennie, um kompensan ou algo similar).

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  6. Plenamente de acordo. Achei de extrema má educação o modo como avançaram para o ministro como cães raivosos. O BF está com o peito cheio de ar na sua juventude sortuda. Cuidado que os balões rebentam.....

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