Silêncios inaceitáveis
J.-M. Nobre-Correia
Média : Os jornais têm tendência a informar pouco ou nada sobre o que lhes diz respeito.
Deixando isso aos concorrentes. E perdendo assim credibilidade aos olhos dos
fiéis leitores. É o que está a acontecer com o I e o Sol…
Os jornais perdem cada vez mais leitores.
Sobretudo os de informação geral. Sobretudo em Portugal. Só que os ditos
jornais de informação geral nunca se interrogam sobre as razões da sua perda de
importância. Ou melhor : arranjam a desculpa habitual. Habitual mas real : a
internet. E para explicarem a situação financeira difícil em que em muitos
casos se encontram, têm outra desculpa. Desculpa ela também real : a queda das
receitas publicitárias. E pronto : as explicações ficam-se por aqui !…
Geralmente, os ditos jornais abstêm-se de se
interrogar sobre eles próprios. Sobre a variedade do seu conteúdo. Sobre a
qualidade do produto proposto. Sobre o rigor dos factos. A mais valia das
interpretações, das análises e dos comentários. A estética da escrita e da
iconografia. Sobre a adequação a um público alvo mais ou menos delimitado. Sobre
as condições de distribuição e de comercialização…
Do
enviesamento ao mutismo
Para evocar apenas a questão do conteúdo,
quantos deles não cometem erros monumentais em matéria de credibilidade ?
Nomeadamente quando se trata de matérias que lhes dizem respeito. O caso dos
dados periódicos da APCT (sobre a difusão) e da Bareme (sobre a audiência) é
aliás significativo disso : cada jornal interpreta-os de maneira geralmente favorável
a ele próprio e desfavorável em relação à concorrência, ou decide muito
simplesmente nem falar no assunto. Quanto à preocupação em fazer uma análise
séria e competente dos resultados, isso é ideia que nem sequer passa pela
cabeça dos responsáveis dos ditos jornais.
Mais grave ainda quando o próprio jornal é o
último a dizer o que se passa com ele próprio, com a sua propriedade, com a sua
sociedade de edição, com a sua redação. Ou mesmo quando estas questões nem
sequer são evocadas por ele próprio. E é nos concorrentes que se têm que
procurar as notícias a este propósito, até porque se ouviram ou leram já
elementos de informação sobre o assunto. Pelo que o jornal em questão perde inevitavelmente
credibilidade aos olhos dos seus leitores habituais…
Notícias sobre o diário I e o semanário Sol
apareceram aqui e ali em 30 de novembro. No dia seguinte, 1 de dezembro, os
teoricamente mais diretos concorrentes do I,
o Diário de Notícias e o Público davam grande importância ao
assunto : “Mais de cem trabalhadores do Sol
e do i são despedidos em dezembro”, escrevia
em título o primeiro, dando 2/3 de página ao tema ; “Despedidos dois terços dos
trabalhadores dos jornais Sol e i” dizia em título o segundo, tema a que
consagra uma página inteira.
No I
do mesmo 1 de dezembro, nem uma palavra sobre o assunto. No dia 2, o diretor
escreve um editorial a uma coluna intitulado “Fazer jornais é mais do que uma
paixão. É uma forma de vida”. Um texto relativamente “literário” sobre os
estados de alma do autor perante a situação que estão a atravessar o I e o Sol, sem todavia dizer nada, absolutamente nada de concreto, de
fatual, sobre a dita situação. No dia 3, de novo nem uma palavra. E no dia 4
aparece uma coluna de um jornalista intitulada “Imprensa” que faz uma exposição
teórica sobre as dificuldades que conhecem os jornais, sem nunca evocar os
casos do I e do Sol…
Porém, dia 4 de dezembro é sexta-feira e
portanto dia de publicação do semanário Sol.
Desiludamo-nos no entanto. Também não encontraremos no Sol a desejável informação fatual sobre o assunto. Uma “Nota
Editorial” publicada na primeira página e concluída na última do caderno
principal, intitulada “Com os olhos no futuro”, informa-nos todavia que a
Newshold, que controla os dois jornais, “vai deixar de operar em Portugal”, mas
que “os dois títulos continuarão a publicar-se”. E termina a “agradecer aos
acionistas da Newshold […] pelo investimento considerável que fizeram e que
permitiu manter o jornal vivo em circunstâncias muito adversas”.
Credibilidade
e perda de leitores
A ler o diário I e o semanário Sol nada
saberemos portanto das razões que levam a Newshold a sair de Portugal e a
despedir uns 120 trabalhadores. Nem o que permite afirmar que os dois jornais “continuarão
a publicar-se”. Nem quem serão os novos acionistas. Nem como explicar as alterações
nas direções dos jornais (nomeadamente num post-scriptum
do diretor executivo do Sol), assim
como na periodicidade dos dois títulos, mudanças anunciadas por outros…
Para saber o que se passa no I e no Sol, há que procurar a informação em jornais concorrentes. Quando é
no I e no Sol que se encontram certamente os jornalistas mais bem informados
sobre o assunto. E se eles não dizem aos leitores o que melhor sabem, como
acreditar que relatem bem factos que não lhes dizem diretamente respeito e que
muito provavelmente conhecem menos ? Uma perda de credibilidade aos olhos dos
leitores habituais que se paga precisamente com a perda de leitores…