A triste demonstração…

J.-M. Nobre-Correia
Média : Sabíamos que vivíamos num país onde a informação de qualidade é escassa e até bastante ligeira. Mas o falecimento hoje de Mário Soares trouxe a prova de uma situação ainda mais desoladora…

Há um princípio de base aplicado em todas as redações dos grandes jornais (impresso, radiofónicos ou televisivos) e sobretudo nos jornais de referência : preparar  o mais cedo possível a necrologia de um(a) grande homem (ou mulher). A partir do momento em que ele (ela) ocupa altas funções. Quando passa a ter uma idade avançada. Quando adoece com séria gravidade. Pela simples razão que ele (ela) pode vir a desparecer de um momento para o outro.
É preciso ter então os textos e ilustrações, os documentos sonoros ou vídeo, devidamente preparados para dar resposta à procura dos leitores, ouvintes ou espectadores. E ter a lista cuidadosamente preparada dos especialistas que convirá convidar para escrever ou entrevistar. Para procurar ser editorialmente melhores e mais rápidos do que os concorrentes. Para ter a oportunidade de afirmar as qualidades performantes de uma redação.
Mário Soares foi um dos grandes líderes da resistência ao salazarismo. Um dos maiores e mais duradoiros políticos do Portugal democrático. Ministro, primeiro ministro e presidente da República, isto é : ocupou as mais altas funções do Estado. Tinha 92 anos : uma idade bastante avançada. Tinha tido um grave acidente de saúde há três anos, em 2013, e estava agora hospitalizado há mais de três semanas. Razões sobejas, mais que sobejas, para que pelo menos as redações dos médias de informação geral deste país tivessem feito há muito tempo o trabalho preparatório de documentação, de escrita, de maquetagem e de montagem para estar pronto quando o desenlace viesse a ter lugar.
O desenlace teve lugar esta tarde. E, consultando as edições em linhas dos diários “nacionais” na internet, a impressão que fica, num primeiro tempo, a meio da tarde, é que apenas o Diário de Notícias tinha feito um enorme trabalho para estar preparado no dia fatal. Esperando que as edições em papel de amanhã dos mesmos diários “nacionais” sejam mais bem satisfatórias e convincentes…
Quanto às televisões, assiste-se ao vazio e à tristeza habituais ! O que é particularmente chocante na pública RTP 1 : antes das 20h00, tivemos apenas direito aos eternos “diretos” (com a habitual dose em menor ou maior grau de temas absurdos) e aos não menos eternos “comentadores” (poucos : a maioria deles devia estar em fim de semana longe de Lisboa). Com as mesmas sequências repetidas indefinidamente. E nada de grandes documentários ! Nada de grandes perspetivações históricas e politológicas ! Enquanto na SIC e na TVI, antes da hora do jantar, a programação habitual nem sequer tinha sido alterada !…
Que tínhamos uma informação pobre, pouco abundante, pouco sólida, pouco diversificada, era uma evidência para quem está há longos decénios habituado a outras formas de tratamento da atualidade. Que diferença abissal, por exemplo, com os média franceses por ocasião da morte igualmente previsível do ex-presidente François Mitterrand em 1996 ! Enquanto por cá, no tal “jardim à beira-mar plantado”, é sobretudo um quase deserto que domina a paisagem jornalística !…


Texto publicado no blogue A Vaca Voadora, Lisboa, 7 de janeiro de 2017.

Comentários

  1. O espírito crítico é cosmopolita, a comunicação social portuguesa é paroquial.

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  2. Carlos Esperança : eu penso é que o meio jornalístico português vive demasiado fechado sobre si mesmo, sem procurar verdadeiramente ver o que se faz de melhor lá fora. Trata-se de um questão cultural, mas também de uma questão de meios humanos e financeiros…

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    1. Neste caso, parece-me que a ordem dos factores, não é arbitrária. E colocaria "a questão dos meios humanos e financeiros" à frente, porque condiciona "a questão cultural". E não o contrário...

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    2. Cultural aqui é empregue no sentido da mentalidade reinante, dos hábitos, das tradições…

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