Qualificativos dispensáveis
J.-M. Nobre-Correia
Média : Na sua habitual página dominical, o provedor do diário Público transcreve integralmente a carta de um
leitor não identificado (o autor deste bloco-notas), nenhuma explicação sendo
no entanto dada às críticas formuladas…
"No melhor pano cai a nódoa", dirão alguns. Mas
há "nódoas" que são dificilmente aceitáveis da parte de um jornal que
se quer "de referência". Sobretudo se nessas "nódoas"
sentimos relentos de teorias rácicas totalmente intoleráveis.
Assim, no Público
datado de segunda-feira 24 pôde ler-se num dos subtítulos do título principal
da primeira página que "João Araújo, o advogado de defesa goês do
ex-primeiro-ministro, trabalha sozinho". E, da mesma maneira, pôde ler-se
no texto da página 3, 8a e 9a linhas : "João Araújo — natural de Goa e
agora advogado de José Sócrates".
Algum dia passaria pela cabeça de um jornalista escrever
a propósito de outro qualquer advogado sediado em Lisboa : o advogado de
defesa açoriano, minhoto ou alentejano do ex-primeiro-ministro ? E muito menos
: o advogado de defesa cabo-verdiano, angolano ou brasileiro do
ex-primeiro-ministro.
Que ideia chocante e perfeitamente intolerável é esta de
ver os média desta pretensa nação que "deu novos mundos ao mundo" começarem
a dizer que António Costa é de origem goesa e agora que João Araújo é goês ?
Vão os média portugueses começar a evocar as origens geográficas, sociais,
étnicas ou confessionais (e não sei que mais...) das pessoas evocadas, quando
isso não tem nada, nadíssima, a ver com o assunto tratado ?
Estará o jornalismo em Portugal a resvalar
preocupantemente para um segregacionismo em que os "portugueses de
raiz" serão distinguidos dos outros ? Destes outros que precisamente
escolheram ser portugueses, quando os tais "portugueses de raiz" nem
sequer escolheram a nacionalidade que lhes atribuíram à nascença ? Sombrio e
inquietante horizonte !
E já agora : dizer que João Araújo "trabalha
sozinho" não é uma maneira inadmissivelmente hipócrita de insinuar que ele
não faz parte dos "grandes escritórios" de advogados, daqueles que
dominam a cena político-económico-judiciária e ser portanto um "pequeno
advogado" de pouca envergadura ?
Em termo de escrita como de titulação, o Público de segunda-feira 24 deu provas infelizes
de descuido editorial e de grande irresponsabilidade social.
Texto publicado no
diário Público, Lisboa, 30 de
novembro de 2014, p. 53. Só a frase final de cumprimentos foi suprimida…