Estranha gente essa ali ao lado !
J.-M. Nobre-Correia
Bruxelas e Washington disputam o lugar de
cidade com mais correspondentes de média do mundo inteiro. Mas estes mesmos
correspondentes ignoram tudo ou quase tudo da vida política, económica, social ou
cultural dos belgas…
De repente, o terrorismo faz da Bélgica tema de atualidade nos média
portugueses. Há porém que prevenir leitores, ouvintes e espectadores : a grande
maioria dos correspondentes dos média portugueses em Bruxelas nada ou quase
nada sabe da vida política, da economia, da cultura ou mesmo da sociedade
belga…
Largas centenas de jornalistas [1]
estão em Bruxelas como correspondentes antes do mais para cobrirem a atualidade
da União Europeia e da NATO. E, nestas matérias, repetem largamente o que lhes
dizem os serviços de comunicação destas instituições, em conferências de
imprensa diárias e em numerosos documentos que lhes são endereçados todos os
dias. Ou então repetem mais ou menos religiosamente o que lhes dizem ministros
portugueses, representantes de Portugal junto destas duas instituições e altos
funcionários geralmente de origem portuguesa.
Acrescente-se que os ditos correspondentes vivem
em “vase clos”, em circuito fechado, em gueto, de preferência nas cercanias do
Rond-Point Schuman, mesmo ao lado Comissão, do Parlamento e do Conselho
Europeus, em Bruxelas. Escapando de vez em quando à rotina com uma breves
expedições até ao Luxemburgo ou a Estrasburgo.
Depois, quando se passa algo na Bélgica, os média
de que são correspondentes procuram “rentabilizá-los” e pedem-lhes “peças”
sobre assuntos de atualidade. Recorrem então sobretudo à leitura dos diários Le Soir e La Libre Belgique, e à escuta da pública RTBF ou das privadas Bel RTL
e RTL-TVI, sendo quase todos
incapazes de ler ou compreender os média em língua neerlandesa, o que põe um
sério problema quando se trata de atualidade que se desenrola no norte do país,
na Flandres.
Aqui há meia dúzia de anos, encontrei no edifício
da Comissão Europeia um dos mais antigos correspondentes portugueses em
Bruxelas. “Ainda bem que o vejo”, exclamou. Perguntou-me então quem poderia entrevistar
para lhe fazer o ponto sobre a situação política na Bélgica e fazer até um rápido
apanhado geral sobre a história da “questão linguística” na Bélgica.
Aconselhei-lhe os nomes das duas pessoas que me
pareciam mais indicadas : Vincent de Coorebyter e Xavier Mabille. Mas o nosso
correspondente desconhecia tais nomes ! Expliquei-lhe então que o primeiro era
diretor geral do CRISP (que depois enveredou por uma carreira universitária) e
o segundo presidente do dito CRISP (entretanto falecido).
Só que o correspondente português também não sabia
o que era o CRISP ! Ora, o Centre de Recherche et d’Information
Socio-Politiques é o mais célebre centro de investigação do país em matéria
sociopolítica. Criado em 1959, publica desde então, para além do mais, um Courrier Hebdomadaire (semanal, como
indica o nome) em formato A 4, com uma média de uma quarentena de páginas,
sobre temas políticos, sociais, económicos próprios à sociedade belga. Um Courrier Hebdomadaire que é uma referência
absolutamente indispensável.
O nosso correspondente, apesar da sua longuíssima
estadia em Bruxelas, ignorava a existência deste centro e dos seus dois mais
altos responsáveis, autores no entanto de intervenções regulares nos principais
média do país !
Ficam pois os leitores, ouvintes e espectadores
prevenidos sobre o nível de qualidade das correspondências de Bruxelas. Ou
melhor : sobre as manifestas deficiências dos correspondentes. Basta ver como,
em boa parte dos casos, pronunciam nomes de localidades, instituições ou
personalidades em vista da Bélgica : um verdadeiro festival de humor involuntário
!…
[1] Em 1995, em Bruxelas, a Comissão Europeia
registava 770 jornalistas acreditados, estrangeiros na maior parte dos casos.
Em maio de 2004 eram 920 e em 2005 atingiam os 1 300. Em 2006 já só eram 1 180,
em 2008 apenas 1 100 e em 2010 só 752. Neste sector, como em muitos outros, a
crise da imprensa em papel e a crise económica tiveram consequências evidentes…