Opções de uma singularidade
J.-M. Nobre-Correia
De súbito, ao romper da aurora, descobre-se no Facebook uma curta mensagem que parecia incompreensível. Depois, muito rapidamente, muitas outras se foram sucedendo e espevitando as réstias de sono. Era então verdade: o Fernando Paulouro Neves tinha falecido! De improviso. Brutalmente. Quando ainda na véspera apresentava a sua última criação literária…
Lendo os imensos textinhos que foram aparecendo depois ao longo do dia, experimenta-se o sentimento de que tudo foi dito e redito. Que mais nada se poderá acrescentar de realmente novo. Mesmo se, com os nossos seis meses de diferença de idade, eu até poderia recordar os anos de juventude passados juntos na redação do jornal do seu tio António Paulouro.
Porém, a grande maioria dos anos em que Fernando Paulouro Neves assumiu responsabilidades de chefe de redação e de direção do Jornal do Fundão, vivi-os à distância. Longe do Fundão. Noutro país e, de certo modo, numa área conexa. E é desta área conexa que quero aqui salientar a preocupação que o Fernando sempre teve em não deixar o Jornal do Fundão afundar-se num certo jornalismo paroquial, depois dos brilhantes anos 1960-70.
Para evitar este risco de naufrágio, o Fernando quis manter o seu jornal sempre ao corrente do que se passava de importante no resto do país e do mundo. Nomeadamente em matéria de vida política e de vida cultural. Porque a Beira Interior não poderia viver fechada em si mesma, “en vase clos”, alheia aos caminhos enveredados pelo resto da humanidade.
Mas Fernando teve ainda outra preocupação: manter no jornal uma qualidade de escrita tão miseravelmente descurada em boa parte da imprensa portuguesa. Sobretudo, é claro nas suas páginas 2 e 3, onde os seus textos deixavam adivinhar a carreira literária que inevitavelmente sucederia à de jornalista. Mas também em colaborações exteriores de autores em vista no plano nacional.
Porque o chamado “jornalismo de proximidade”, para além das exigências de rigor em relação a gentes e a ambientes conhecidos dos leitores, não pode ignorar o que se passa de decisivo no mundo, nem esquecer que o jornalismo tem que ser um fator de inserção dos cidadãos na vida da “polis”. E o Fernando Paulouro Neves teve isso como bússola à cabeça do Jornal do Fundão, mantendo com clara visibilidade no mapa do país a terra que lhe serviu de berço. Mesmo se os tempos do pós-25 de Abril, com a proliferação de novos jornais, de novas rádios e até de novas televisões eram já menos favoráveis à afirmação de uma singularidade…
Professor emérito de Informação e Comunicação da Université Libre de Bruxelles
Fundão, 10 de outubro de 2025.
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