Uma urgência demasiado esquecida
J.-M. Nobre-Correia
Média : Perante a grave crise que atravessa a informação escrita em Portugal,
poderes políticos sucessivos manifestam uma indiferença que não deixará de ter
sérias repercussões no sistema democrático…
Portugal tem o índice de penetração da
imprensa diária mais baixo da até há pouco chamada Europa Ocidental : umas sete
a nove vezes inferior ao da Europa escandinava. E é provavelmente também o país
que conta menos títulos diários relativamente às respetivas demografia e
superfície. Como se isto não bastasse, diários há que correm o risco de
deixarem de ser publicados. Enquanto outros se encontram em situação financeira
grave, despedem jornalistas, diminuem o número de páginas e reduzem custos, o
que se traduz numa inevitável perda de qualidade.
Perante tal situação absolutamente
catastrófica, parlamentos e governos sucessivos guardam silêncio, mantendo-se
indiferentes e inertes, como se isso não lhe dissesse respeito. A pontos de
deixarem pensar que, no fim de contas, a classe política deste país preferiria
fazer a sua vidinha sem que jornalistas e jornais se metessem-se nela. Ou dito
de outro modo : sem que os cidadãos fossem minimamente informados do que se passa
nas esferas do poder…
Sejam quais forem as críticas a fazer às
caraterísticas dominantes dos mundos mediático e jornalístico, a circulação de
uma informação de qualidade constitui um elemento indispensável ao bom
funcionamento de uma democracia. Pelo que urge elaborar um plano suscetível de
favorecer a sustentabilidade dos títulos existentes e, paralelamente, promover
a criação de novos títulos.
Para além da sustentabilidade, conviria
incentivar iniciativas que levassem os atuais diários de informação geral (em
papel ou em linha) a reforçar as equipas de redação e a desenvolver o
jornalismo de investigação, de reportagem e de análise, assim como as correspondências
do estrangeiro, e mais particularmente da União Europeia e dos países de língua
portuguesa. Mas também iniciativas de natureza a propor uma melhor cobertura da
atualidade do país “do interior” e até o lançamento de cadernos regionais com
informação e publicidade específicas. Assim como iniciativas suscetíveis de
alargar consistentemente as magras difusões atuais, quer em Portugal mesmo quer
junto da lusofonia no mundo.
Paralelamente, conviria privilegiar o
lançamento de novos diários de informação geral (pelo menos em versões
digitais) baseados em três ou quatro cidades das regiões de “baixa densidade”.
De modo a descentralizar uma informação demasiadamente concebida em função de
um litoral Centro-Norte e sobretudo de Lisboa e dos meios dirigentes (políticos,
económicos, culturais, sociais e desportivos) que por lá reinam… Mas de modo
também a favorecer uma informação regional concebida em termos de qualidade
profissional, o que é raramente o caso hoje em dia.
Dirão os eternamente pessimistas que
Portugal atravessa uma crise económica e financeira nada favorável a tais
iniciativas. Só que a ajuda ao desenvolvimento de iniciativas em matéria de
informação escrita (impressa ou digital) poderá ter como origem um fundo alimentado
por financiamentos de origem muito diversa. De origem pública (União Europeia,
Estado português e outros) e de origem privada : percentagem das receitas de
publicidade das estações de televisão assim como dos diários e semanários
gratuitos, imposição sobre a venda de tecnologias de telecomunicação
(telemóveis, antenas parabólicas, redes de cabo, computadores, fornecedores de
acesso à internet…), imposição sobre as receitas dos operadores de
telecomunicações, contribuições voluntárias de instituições, empresas e pessoas
privadas (dedutíveis da imposição fiscal)…
O fundo poderia ser solicitado por
empresas de média já existentes ou por sociedades criadas em vista do
lançamento de novos projetos. No caso de novas sociedades, estas teriam
obrigatoriamente que ser constituídas por equipas de jornalistas, de comerciais
e de gestores acionistas em proporções definidas por elas próprias. Em qualquer
dos casos, os fundos seriam atribuídos mediante a apresentação de projetos
editoriais, comerciais e financeiros circunstanciados, devidamente acompanhados
dos comprovativos emanados das empresas de que as publicações seriam clientes.
E os projetos seriam analisados e avaliados pela direção do fundo composta por
elementos independentes de indiscutível competência em matéria de média de
informação escrita.
Para além do financiamento do fundo, as instituições
e empresas poderiam complementarmente participar neste apoio à informação
generalista escrita através da subscrição a preço preferencial de assinaturas
coletivas para o seu pessoal, fiscalmente dedutível. Como poderiam participar
com inserções publicitárias também fiscalmente dedutíveis a partir de um certo
número de inserções ou de montante financeiro.
A qualidade e a pujança de uma democracia
estão estreitamente ligadas ao dinamismo e ao pluralismo da informação proposta
aos cidadãos : há pois que cuidar dela, urgentemente. As autoridades políticas
não podem continuar a ignorar o estado confrangedor em que se encontram os
média de informação escrita, se não quiserem ser acusados de serem os primeiros
responsáveis pelo definhar da democracia pluralista !…
Professor emérito de Informação e Comunicação da
Université Libre de Bruxelles
Texto publicado no diário Público, Lisboa, 2 de março de 2016, p. 43.