Da integração à comunitarização
J.-M.
Nobre-Correia
Médias :
Em cinquenta anos de tempo, operou-se uma evolução absolutamente revolucionária
nos processos de informação, com curiosas repercussões no seio das populações
e-imigrantes…
Em
meados dos anos 1960, quando um emigrante chegava ao país de destino, dava
entrada num meio social onde conhecia velhos amigos, alguns vagos conhecidos ou
até mesmo ninguém…
Para
além deste pequeno círculo de antigos ou recém conhecidos, o emigrante sentia
uma maior ou menor necessidade em estabelecer novos contactos no seu novo meio
social, mas também em manter em maior ou menor grau contactos com os que tinham
ficado no país de origem. E o grau de necessidade dependia, é claro, da sua
própria personalidade, da sua própria sensibilidade.
Meios de comunicação lentos ou caríssimos
Num
primeiro tempo, os contactos com o novo país eram geralmente difíceis. Porque o
desconhecimento ou o fraco conhecimento da língua dificultavam o acesso às
pessoas e aos média. Mas também porque, no caso da emigração portuguesa, a
miserável ou débil condição financeira não facilitava estes contactos,
nomeadamente no que dizia respeito à imprensa e à televisão.
Quanto
aos contactos com os que ficaram no país, só o correio postal praticamente os permitia, embora cartas e postais
levassem dias a chegar ao destino. E, quando a Pide suspeitava que expedidores
ou destinatários tivessem tendências políticas “inaceitáveis”, as ditas cartas
e os ditos postais nem sequer chegavam ao destinatário. Enquanto que o conteúdo,
em matéria de escritos ou de fotografias, ia contribuir para os dossiês
acusatórios da dita Pide, a utilizar na devida altura…
Para
além do correio postal, o telefone
era raro e caríssimo. Tinha que se ir aos correios, pedir um número em
Portugal, esperar um tempo por vezes infinito, prestar atenção ao que se dizia
(pois a Pide estava à escuta) e pagar uma pequena fortuna ...para quem era
emigrante com magros recursos financeiros, como era geralmente o caso !
Ainda
quanto ao país de origem, os jornais
chegavam pouco e tardiamente, e as assinaturas eram caras. As rádios portuguesas eram extremamente
difíceis de captar e apenas era possível fazê-lo em ondas curtas, geralmente em
más condições sonoras. Pelo que havia então que voltar-se eventualmente para as
emissões em português de diferentes rádios públicas europeias.
É
claro que, a acrescentar a tudo isto, havia a imprensa militante e as rádios de
oposição ao regime salazarista : a Rádio
Portugal Livre, do PCP, emitindo a partir de Praga, e Rádio Voz da Liberdade, da Frente Patriótica de Libertação
Nacional, que emitia de Argel.
Os
emigrantes eles mesmos tinham poucos meios de expressão mediática. Estávamos
ainda na era da máquina de datilografar
e dos estêncis que davam pouquíssima
margem de manobra em termos de grafismo e de paginação. Houve depois a fotocópias, que foram num primeiro
tempo caras e de má qualidade. Mas, apesar destas deficiências técnicas,
apareceram então muitos folhetos e jornalitos, sobretudo ligados a
partidos de esquerda ou esquerdistas e a associações de trabalhadores.
Uma mutação tecnológica importante
O
25 de Abril chegou numa altura em que, nos anos 1970-80, se estava a processar
uma mutação tecnológica importante no sector dos média com a fotocomposição, o offset,
a modulação de frequência, as redes de cabo, os satélites geoestacionários e as
antenas parabólicas.
As
condições técnicas e financeiras de produção dos jornais impressos passaram assim a ser mais ligeiras. Provocando
uma explosão de novas publicações destinadas a públicos limitados. E, no caso
português, dada a nova conjuntura política no país (favorável à informação, à
interpretação como a tomada de posição), o número de publicações destinadas aos
emigrantes aumentou consideravelmente.
Depois
de uma fase caótica, anarquista, operou-se um estruturação das chamadas “rádios livres” surgidas então, estruturação
que deu lugar ao aparecimento de muitas emissões em línguas estrangeiras,
assumidas por gente proveniente de diversas origens estrangeiras.
Paralelamente,
as antigas rádios e televisões
institucionais passaram também a propor emissões em línguas da emigração :
caso da belga pública RTB ou da
luxo-francesa privada RTL, por
exemplo.
Já
nos anos 1980, com os satélites
geoestacionários, as redes de cabo
e as antenas parabólicas, os emigrantes
passam a ter cada vez mais acesso a televisões dos países de origem. E cada vez
mais os lares, sobretudo naqueles em que os casais têm a mesma origem nacional,
passam a ter permanentemente ligadas estações de televisão do país de origem.
Acessoriamente,
estas novas tecnologias também permitem o acesso à rádio dos países de origem. Mas isso é mais raro. Até porque o
média dominante dos anos 1970-90 é a televisão,
em termos de audiência como de tempo que lhe é consagrado pelas pessoas. E até
porque anunciantes e publicitários estão antes do mais interessados no média
televisão e no impacto persuasivo da imagem animada.
Uma nova revolução que vai mudar tudo
Uma
nova revolução ir-se-á operar na segunda metade dos anos 1990 com o
aparecimento e rapidíssima expansão na internet
que passou a estar acessível ao público em geral.
Ora,
progressivamente, a internet vai permitir ter acesso aos jornais, às rádios e
às televisões não só nacionais (como
era o caso já antes), mas também aos média regionais
e locais (o que era impensável antes no que dizia respeito às rádios e às
televisões). O que faz que os média tradicionais perderam vendas, assinaturas e
audiências, devendo partilhar estas doravante com muito mais atores nos
sectores média.
Mas
a internet vai também permitir o aparecimento de um tipo de correio novo : o correio eletrónico (os chamados “mails”), gratuito e instantâneo, estejam
onde estiverem no mundo o expedidor como o receptor. Enquanto correio postal foi perdendo terreno.
Mais
: a internet vai permitir o lançamento a custos relativamente reduzidos de
jornais escritos, sonoros e audiovisuais digitais, autorizando portanto uma
multiplicação dos média que têm os próprios meios emigrantes (imigrantes) como
origem.
Mais
ainda : o aparecimento de toda uma série de aplicações (Skype, Facebook, FaceTime, WhatsApp,…) vai dar uma
dimensão mundial às comunicações em tempo real, fazendo perder terreno ao velho
telefone e sobretudo ao velho telefone fixo. Doravante é possível não só falar como ver o(s) nosso(s)
interlocutor(es) com custos praticamente iguais a zero (se excluirmos o custo
dos equipamentos : computadores, tabletes, telemóveis, acesso a redes de
telecomunicações, energia elétrica,…).
Esta
evolução tecnológica no sector dos média processou-se a uma velocidade
vertiginosa e sem igual na história da informação e da comunicação. E,
manifestamente, esta evolução seduziu a grande maioria dos cidadãos no nosso
mundo ocidental industrializado.
Consequências inesperadas e
contraditórias
No
entanto, em termos de populações emigrantes (imigrantes) esta evolução tem consequências surpreendentes,
inesperadas e de certo modo contraditórias.
Nos
anos 1960-70, a ausência quase total de média do país origem dos emigrantes,
assim como a grande lentidão e os custos elevados das comunicações, faziam que a inserção na sociedade de acolhimento era
o caminho mais curto, mais fácil, de modo a procurar sobreviver social e
afetivamente. Aquele para o qual o e-imigrante era naturalmente convidado.
Tanto mais, quando os filhos iam nascendo e integrando muito naturalmente
graças à creche, à escola e ao conhecimento da língua do país de acolhimento
como primeira língua de instrução e
de relacionamento social. Até porque as escolas do país de origem (no caso de
Portugal) eram raras ou inexistentes. Pelo que os média eram então um fator de integração social.
A
partir dos anos 1980 e sobretudo nos anos 1990-2000 assistimos ao aparecimento
de uma espécie de vivência à distância
no país de origem. “País de origem” que começava de facto a ser cada vez mais o
dos pais e até mesmo dos avós, e não propriamente os dos filhos ou dos netos destes.
Nos
lares de emigrantes, passa-se a consultar os jornais portugueses (publicados em Portugal ou no país de acolhimento),
a ouvir em permanência rádios portuguesas
(também aqui baseada em Portugal ou no país de acolhimento) e a ver televisões portuguesas (quase sempre
baseadas em Portugal). Mas passa-se também a recorrer diariamente a todas essas
novas aplicações que lhes permitem falar e ver-se com quem ficou em Portugal e
com gente de outros núcleos de portugueses espalhados pelo país de acolhimento
e até mesmo pelo mundo fora.
A alternativa : iver-juntos ou viver-à-parte
Assiste-se
assim a um fenómeno de desinserção
da sociedade de acolhimento ou até mesmo, no caso dos filhos e dos netos, da sociedade
onde nasceram e sempre viveram. E, paralelamente, assistimos ao aparecimento de
uma noção de comunidade cada vez
mais forte e mesmo, claramente, a um comunitarismo
que leva a viver em circuito fechado, em “vase
clos”.
Um
comunitarismo que transplanta para o país de acolhimento — de maneira ainda
mais evidente que antes — tradições, comportamentos e temáticas próprias ao
país de origem. Um comunitarismo que tem criado problemas cada vez mais
inquietantes no seio da União Europeia, numa sociedade onde o viver-juntos (o “vivre-ensemble”) deixou cada vez mais de
ser uma realidade palpável, uma necessidade concreta para que a sociedade
democrática possa sobreviver e ser cada vez mais forte e coesa.
A
revolução dos média (no sentido mais largo da palavra) provoca assim o
aparecimento de uma cartografia composta por ilhéus comunitaristas disseminados através de um território outrora
chamado nação, onde identidades
socioculturais fortes e diversas impedem agora a concretização de uma
mestiçagem indispensável à integração e à coesão social. Integração que, de
qualquer modo, não poderá significar homogeneização ou aniquilamento das
genealogias dos indivíduos.
A
questão que se põe pois hoje em dia em matéria de e-imigração e média é a de um
viver-juntos na sociedade de
acolhimento ou a de um viver-à-parte,
numa forte identidade nacional de origem desinserida da sociedade de
acolhimento em redor e, hélas !,
marginal em relação a esta mesma sociedade…
Texto que serviu de base à comunicação no
colóquio Labirintos da Memória II, Fundão, 29 de julho de 2017.
Texto muito interessante mas que lido depois de ouvido aclarou melhor algumas ideias... Abraço.
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