A desejável circunspeção

O recente movimento internacional de denúncia de assédio de caráter sexual nas empresas e instituições tem evidentemente um aspeto altamente salutar em termos de ética social, até porque fortalece a posição das mulheres na vida profissional e social.

Porém, a menos de se espreitar pela fechadura da porta, nunca se pode dizer o que se passa realmente entre duas pessoas fora de olhares dos outros. E quem respeita a sua própria imagem social não se dá publicamente em espetáculo com atitudes de assédio erótico-sexual.

Por outro lado, uma certa reserva se impõe perante acusações feitas, não na própria altura dos anunciados acontecimentos, mas sim anos depois, quando a fatualidade dessas acusações é em boa parte dos casos já inverificável…

Entre nós há no entanto média que estão manifestamente a ser utilizados numa campanha concertada contra um académico, campanha iniciada ontem e largamente reforçada hoje. As suas tomadas de posição, nomeadamente em matéria de política internacional, não lhe são perdoadas !

Média há, com efeito, que apesar das autoras das acusações não citarem nomes, não hesitaram em abrir as suas edições com o assunto, a porem mesmo em título o nome de um académico e a citarem outro nas longas (e por vezes mesmo longuíssimas) “peças” que seguiam. Quando nenhuma acusação existe ainda em termos judiciais e que, a fortiori, nenhuma condenação foi pronunciada.

Em termos de deontologia jornalística, os média deveriam ter manifestado uma certa circunspeção, não ignorando a notícia, mas dando-lhe a importância relativa que merece. Proibindo-se no entanto de se instituírem em justiceiros de “tribunal popular” cujas “sentenças” deixarão marcas indeléveis, sejam quais venham a ser no futuro as decisões da justiça do Estado de direito.

Segundo os “bons [e estranhos] hábitos” de quem escreve em Portugal, acrescento o seguinte: cruzei uma única vez a personalidade em questão, já lá vão vários anos, num restaurante da cidade onde reside. No momento em que eu me preparava para sair, permiti-me tomar a iniciativa de o cumprimentar. Conversa que terá durado um ou dois minutos, não mais. Não há pois aqui, no que escrevo, o reflexo de uma qualquer conivência.

Professor emérito de Informação e Comunicação da Université Libre de Bruxelles, autor do livro “História dos Média na Europa” (Almedina).


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