Sair desta aflitiva miséria

J.-M. Nobre-Correia
Portugal dispõe de uma paisagem mediática de informação que não está à altura de uma democracia moderna europeia…
Dentro de um mês, o XXI governo constitucional completará três anos de vida. E o balanço da sua ação é mais ou menos contrastado segundo o posicionamento político de quem faz a avaliação. Há porém um sector em que a ação do governo foi inexistente. Até porque os dois titulares que se sucederam no Ministério da Cultura não manifestaram o mínimo interesse pela matéria.
Ora, a situação dos média — é deles que se trata — é há longos anos caraterizada por uma profunda inadequação às necessidades de uma sociedade moderna em democracia. Não só porque a paisagem mediática impressa é a mais pobre de todas as da Europa ocidental, em termos de difusões como de pluralismo. Mas também porque as próprias paisagens radiofónica e televisiva são pouco diversificadas, no que diz respeito aos conteúdos como às estruturas de propriedade.
A triste realidade é que o 25 de Abril, o novo Portugal democrático, dizimou a imprensa do país. É certo que qualquer cidadão passou a ter o direito de criar um jornal (caso disponha dos meios financeiros indispensáveis para o fazer). E que todo e qualquer média pôde começar a praticar a liberdade de informar segundo a sua própria conceção (por vezes bem mais descomedida do que em países europeus de velha democracia). Mas, dos doze diários ditos “nacionais” de então, só o Jornal de Notíciassobrevive ao lado de três nascidos em democracia. Nos semanários generalistas “nacionais”, só o Expressonascido um ano antes ainda é publicado. Enquanto que a imprensa regional, mais numerosa hoje do que antes do 25 de Abril, é, com raríssimas exceções, extremamente frágil, pouco profissional e com difusões reduzidíssimas…
Por seu lado, a rádio e a televisão tiveram uma entrada em democracia a contracorrente do que se estava a passar na Europa ocidental. Enquanto os anos 1970 foram os da explosão das chamadas “rádios e televisões livres”, em Portugal as rádios foram todas fundidas na nova RDP pública, só a Rádio Renascençado episcopado tendo sobrevivido. As televisões privadas nacionais chegaram uma boa dezena de anos mais tarde do que as congéneres europeias. E não falemos sequer em rádios e televisões regionais que, com a exceção da Porto Canal, não existem.
A paisagem mediática portuguesa é pois de uma aflitiva pobreza. E, globalmente, mais pobre é ainda a informação jornalística proposta. Quando uma sociedade democrática tem uma imperativa necessidade de informação de qualidade tratando dos diferentes aspetos da atualidade, propondo aos cidadãos abordagens plurais e análises contrastadas desta atualidade.
As autoridades responsáveis do país deveriam pois favorecer a elaboração de um programa de desenvolvimento dos média existentes e de incentivação à criação de novos média de informação. Instigando, nas grandes regiões onde não existem, a criação de uns quatro diários regionais digitais, até porque as estruturas de impressão e de distribuição locais não existem. Fortalecendo os semanários com uma real implantação regional. Apoiando o reforço das redações dos diários ditos nacionais, nomeadamente em matéria de informação regional, internacional e da lusofonia, e incrementando as suas difusões. Estimulando também a criação de uma meia dúzia de rádios e de outras tantas televisões regionais devidamente espalhadas pelo território. Delimitando o perímetro das atuais televisões nacionais e impondo cadernos de encargos bem precisos de modo a evitar as derivas atuais.
É certo que as iniciativas governamentais na matéria são geralmente mal acolhidas pelos média instalados. O que não constitui pois uma tática política judiciosa em véspera de eleições europeias e legislativas… Mas a nova ministra da Cultura deveria considerar este dossiê como prioritário, de modo a poder ser abordado logo no início da próxima legislatura. Porque há verdadeiramente urgência em sair da inaceitável miséria atual. A não ser que o mundo político pense que é mais fácil governar sem média de informação. Sem média que possam agir como contrapoderes da sua ação. Sem que os cidadãos sejam convenientemente informados e possam assim ter a legítima pretensão de participar nos destinos da nação !…
Professor emérito de Informação e Comunicação da Université Libre de Bruxelles, autor do livro Teoria da Informação Jornalística (Almedina).

Texto publicado no diário Público em linha, Lisboa, 24 de outubro de 2018.

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