Outra explicação plausível

 J.-M. Nobre-Correia

Média e jornalistas não gostaram nada, mesmo nada, da decisão do juiz Ivo Rosa. Eles lá devem ter as suas razões…

Em matéria de média e de jornalismo, nas sociedades democráticas, nunca há verdadeiramente unanimidade. Existem sempre opiniões divergentes, possam elas ser largamente minoritárias e por vezes até puramente simbólicas.

A decisão instrutória do juiz Ivo Rosa sobre a acusação do Ministério Público na designada “Operação Marquês” provocou manifestamente um enorme sobressalto nos meios mediáticos dominantes e mesmo naqueles que, sem o serem, contam junto da chamada “opinião pública”. Sobressalto acompanhado de críticas violentas a Ivo Rosa e, uma vez mais, a José Sócrates. Com alguns beliscões ao demorado e insatisfatório trabalho dos intervenientes do Ministério Público.

Uma certa dose de ingenuidade levaria a considerar que tal posição violentamente crítica se explica por uma excelente e desejável interpretação do papel do jornalismo numa sociedade democrática: assumir-se como contrapoder perante as derrapagens do Poder e dos poderosos, mas também como defensor acérrimo do Estado de direito e da gente de bem.

Há porém outra explicação plausível numa sociedade em que os média dispõem de redações fracas, em termos quantitativos e, por conseguinte, qualitativos. Ivo Rosa foi, com efeito, um juiz que, desde que tomou o dossiê em mãos, fechou totalmente a torneira das “fugas” manifestamente provocadas, e até mesmo planificadas, com as quais jornalistas havia que se derretiam de prazer. Aquele prazer lascivo que os leva a publicar, com grande ligeireza e raro esforço, “exclusividades” que fazem “cachas”, cobrindo-os de glória e de inveja no microcosmos da “classe”.

Lembram-se daquela chegada de José Sócrates a Lisboa, preso à saída do avião? Da sua transferência para Évora? Das visitas que lhe eram feitas à prisão? Da sua prisão domiciliária em Lisboa? E por aí fora, e por aí fora?… Tudo com montes de “repórteres” à espera. Tudo filmadinho, filmadinho !… Du pain bénit (pão abençoado), como dizem os francófonos, para esse mundo que não dispõe de muitos meios para praticar um verdadeiro jornalismo de investigação. E para jornalistas, que os há, que preferem não ter que se esforçar muito com documentações, contactos, verificações e muito tempo de sono e de repouso perdido.

Ivo Rosa estragou-lhes o arranjinho: o maná deixou de cair numa paisagem jornalística em vias de desertificação. E foi para evitar tal situação, como lembra “Le Monde” este fim de semana, que a conselheira jurídica da Embaixada dos EUA em Brasília instruiu o juiz Sérgio Moro, sublime modelo dos autores da acusação da “Operação Marquês”: “Para que o poder judiciário possa condenar alguém por corrupção, é necessário que o povo deteste esta pessoa [acusada de corrupção]”. E a dita conselheira jurídica acrescentava: “A sociedade deve sentir que ela realmente abusou do seu posto e exigir a sua condenação”. Pelo que há que instrumentalizar os média fornecendo-lhes as tão ambicionadas “exclusividades”…

Há pois que compreender a reação dominante da “classe”, até porque Ivo Rosa pôs em questão muito do que os média atordoaram. O respeito ou não respeito do Estado de direito ficará para mais tarde, quando não houver nada de excitante como assunto a propor e se arranjarem uns bons “comentadores” capazes de animar a malta com um bom banzé. Como ficará para mais tarde, quando houver vagar, a desejável reflexão sobre a(s) maneira(s) como foram jornalisticamente tratados os diversos aspectos da “Operação Marquês”…


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