Um "Jornal do Fundão" bem singular

 J.-M. Nobre-Correia

Tinha lido não sei onde (provavelmente no próprio jornal da semana passada) que a RTP ia consagrar uma emissão ao “Jornal do Fundão”. Porém, não tomei nota e confesso que tal anúncio não despertou particularmente o meu interesse. Pelo que, quando a emissão passou ontem, encontrava-me noutras ocupações…

Quis amavelmente uma colega mandar-me uma mensagem por telemóvel a assinalar-me a emissão, já esta tinha começado há uns 20 minutos. Liguei o televisor, vi uns três ou quatro minutos, mas o que vi estava demasiado ficcionado e desliguei. Hoje, porém, ao ver no Facebook várias reações à emissão, achei que deveria vê-la. E, no fim de contas, fiz bem tê-la visto.

Como nasci no Fundão, fui “redactor-estagiário” (nos termos de António Paulouro) do “Jornal do Fundão” na minha juventude, nele escrevi por intermitência durante 50 anos e sou profissionalmente aquilo que sou, sem abordar aspetos mais essenciais permito-me, no entanto, fazer aqui dois reparos.

Os autores da emissão deram manifestamente uma importância desmedida aos intelectuais (quase sempre lisboetas) que colaboraram no “Jornal do Fundão”, esquecendo velhos e permanentes colaboradores da região, durante muito mais anos do que eles, como Francisco Rolão Preto para dar um só exemplo.

Bem mais grave, não tiveram uma palavra de referência a Américo Oliveira que foi durante dezenas de anos o homem que, semana após semana, fez o jornal (do que fui testemunha nos anos 1960 como depois da 25 de Abril), embora nunca lhe tenha sido atribuído o merecido título de chefe de redação. Nem uma palavra para o padre António Mourão que assumiu a certa altura um papel importante na redação do jornal. E, embora tenha sido citado de fugida, teria sido normal que o professor Arnaldo Saraiva, que foi redator do jornal, tivesse intervindo na emissão.

O alfacinho-centrismo intelectual dos autores da emissão levou-os a citar alguém do meio cultural da capital como responsável dos contactos com a Censura em Lisboa. Quando, é bem sabido, era Alberto Gavinhos que assumia o encargo semanal de ir a Lisboa levar as provas de página à Censura, função que exigia esforço e coragem e era certamente pouco apreciada pela Pide.

Quero pois, muito simplesmente, deixar aqui o meu testemunho e a minha homenagem aos saudosos Américo Oliveira e Alberto Gavinhos. Embora haja aspetos da emissão que mereceriam uma análise atenta de crítica histórica. Saibam no entanto os senhores de Lisboa que tudo o que de importante acontece “na província” não é fruto determinante da intectualidade da “capital do império”!…


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