Esta estranha singularidade

J.-M. Nobre-Correia

As nossas especificidades em matéria de informação como de vida política em nada engrandecem o país europeu que somos…

Viver no extremo oeste da Europa tem as suas vantagens. Mas tem também inconvenientes. Limitemo-nos a evocar uma vantagem: a de termos escapado, dentro das fronteiras nacionais, aos horrores da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais. Mas os inconvenientes são também notórios. Um deles é o de vivermos longe do que se passa no resto da Europa. Demasiado alheios a práticas democraticamente consolidadas ao longo de decénios e mesmo de séculos. Fora também dos olhares dos outros europeus para a vida neste cantinho da Europa.

A maneira como funciona a vida política e como é concebida a prática jornalística ficam assim confinadas à pequenez do “jardim à beira-mar plantado”. E é pena que os nossos parceiros na União Europeia não se deem conta e não nos chamem à atenção para o lado extravagante de tais situações. Pena sobretudo que a maioria da população, e até dos chamados meios dirigentes, não frequente (no sentido próprio e não turístico da palavra) outras sociedades além-fronteiras. E nem sequer tenha uma prática quotidiana do que melhor se faz em termos de informação em média europeus.

É, que se fosse o caso, os portugueses aperceber-se-iam até que ponto são insuficientemente e mal informados pelas televisões e complementarmente pelas rádios, os média dominantes, a imprensa escrita (em papel ou em linha) atingindo audiências tristemente baixas. Como se aperceberiam a que ponto a vida política, vista e alimentada até pelos média, está transformada numa opereta trágico-cómica, em que os tenores são, dia após dia, quase sempre os mesmos líderes de partidos, sindicatos, ordens profissionais, grupos de interesses diversos e, claro está, clubes de futebol.

Isto porque na conceção da informação dominante, o jornalista não recolhe, verifica, põe em perspetiva e analisa os factos, elaborando em seguida o devido relato. Limita-se antes, em boa parte dos casos, a estender micro e câmara aos que lhe propuseram fazer declarações altissonantes sobre o que eles próprios estabeleceram como “agenda” da atualidade. Tendo assim todos os fomentadores da agitação do dia direito ao seu “momento de glória” televisiva, radiofónica e até escrita.

Um tal grau de dependência da “agenda” imposta por atores exteriores às redações, e mais particularmente por serviços de comunicação de instituições e empresas, é certamente única na paisagem mediática da Europa ocidental. Como é única esta conceção de lupa amplificadora que reduz a atualidade a um número de atores ínfimo e quase sempre os mesmos, como se informar consistisse sobretudo em veicular opiniões de uns e de outros. E única também esta larga ausência de iniciativas próprias e de relatos originais fruto de diligências prévias indispensáveis de um jornalismo digno deste nome.

Vêm acrescentar-se a esta singular conceção da informação as múltiplas declarações do atual presidente da República sobre toda a espécie de matérias.  Um presidente que extravasou impunemente há muito as suas competências constitucionais. Que se toma por ator da cena teatral diária que ele próprio concebeu e pôs em aplicação. Que se quer reorganizador da vida partidária do seu próprio campo. E que decidiu entrar em guerrilha permanente contra um governo que, pouco lhe importa, dispõe de uma maioria parlamentar. Um conjunto de atitudes inimagináveis nos países da Europa ocidental, da Alemanha à Espanha, da Grã-Bretanha à Itália, em monarquias constitucionais ou em repúblicas, mesmo numa França em que o presidente tem constitucionalmente poderes mais vastos do que os que a Constituição portuguesa acorda ao residente em Belém.

A informação que nos é proposta diariamente pelo audiovisual português provocaria incredulidade e gargalhada dos seus confrades europeus. Quando os espetáculos político e mediático singulares a que somos submetidos por Marcelo Rebelo de Sousa suscitaria certamente críticas institucionais, reações editoriais severas, hilaridade e manifestações de desagrado da sociedade civil. Três componentes da vida democrática demasiado esmorecidas em Portugal…

 

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