O plano de urgência que se impõe
J.-M. Nobre-Correia
Fala-se muito do futuro do grupo proprietário do Diário de Notícias e do próprio jornal, quando as razões para os salvar são por demais evidentes…
Iremos nós ficar ainda mais pobres? É que a paisagem da imprensa de informação geral em Portugal é já singularmente mísera. Sobretudo a da imprensa diária. Com a área e a demografia que são as suas, Portugal conta inacreditavelmente menos diários generalistas do que países europeus até mais pequenos como a Bélgica, a Suíça, a Áustria, por exemplo.
Ora os dois primeiros contam populações de diferentes línguas. E, se excetuarmos o romanche suíço ultraminoritário, nenhum deles dispõe de língua própria, recorrendo à(s) de países limítrofes. Pelo que o potencial de difusão da imprensa nas diversas regiões linguísticas é limitado. Não impede que neles haja diários com por vezes centenas de milhares de exemplares de difusão paga, apesar de os seus cidadãos poderem preferir ler os dos grandes vizinhos e não os do próprio país.
A situação portuguesa é pois inacreditável para qualquer conhecedor da informação escrita na Europa. O chamado “interior” ao longo da fronteira leste e a sul do Tejo é totalmente desprovido de diários autóctones (com uma pequena exceção em Évora). Diários “regionais” há publicados na faixa oeste do continente, em Braga, Aveiro, Viseu, Coimbra e Leiria, para além dos da Madeira e dos Açores, nenhum deles tendo a pretensão de propor uma atualidade nacional e internacional, em termos políticos, económicos e culturais, suscetível de dispensar a leitura dos “nacionais”.
Porém, a situação destes “nacionais” está quase reduzida à sua mais simples expressão: um único título no Porto, Jornal de Notícias, três em Lisboa, Correio da Manhã, Diário de Notícias e Público. Todos eles com circulações baixíssimas, tomando em consideração vendas e assinaturas das edições em papel e em digital. O que não impede que se fale há longos meses do desaparecimento possível do Diário de Notícias…
Depois do 25 de Abril, outros diários históricos desapareceram, é certo: O Século, Diário de Lisboa e Diário Popular, em Lisboa, O Comércio do Porto e O Primeiro de Janeiro, no Porto. Por que procurar então manter em vida o Diário de Notícias? Porque é uma instituição da história do jornalismo nacional: o seu lançamento em 1 de janeiro de 1865[1] marca o início da era industrial da imprensa. E ao longo de mais de um século e meio de existência, acompanhou em maior ou menor grau as viravoltas políticas da sociedade portuguesa. Mantendo sempre um estatuto particular no universo da informação jornalística, numa subtil dosagem que visa simultaneamente meios dirigentes e leitorado da classe média. Ao mesmo tempo que, como The Times em Londres, Le Soir em Bruxelas ou Corriere della Sera em Milão, diários que se confundem com a própria história da cidade onde nasceram, o Diário de Notícias está intimamente ligado à de Lisboa.
O desaparecimento do Diário de Notícia significaria uma acentuação da pobreza da imprensa diária nacional. Deixando a situação entregue a uma informação escrita proveniente apenas do Correio da Manhã e do Público. E se o primeiro já se encontra em preocupante situação de monopólio nos meios populares e de baixa gama média, a informação que se quer de referência ficaria entregue unicamente ao Público. O que seria muito longe de ser salutar para a democracia pluralista e para o próprio jornalismo, desprovido de uma sã concorrência e da vontade de fazer melhor que o outro, propondo uma atualidade com uma sensibilidade diferente, com outros ângulos de abordagem, de perspetivação e de análise da atualidade.
Poderá então o novo governo que vai entrar em funções, esquecer os princípios neoliberais proclamados e fazer o que os últimos governos socialistas não souberam nem quiseram fazer, concebendo um programa de relance da imprensa diária em Portugal? Um programa de urgência se impõe, em todo o caso, para salvaguardar o Diário de Notícias, a bem do jornalismo de qualidade e do pluralismo da informação…
[1] Tradicionalmente, o aniversário do Diário de Notícias é assinalado em 29 de dezembro, dia em que, em 1864, um folheto anuncia o lançamento de um novo jornal. Mas o primeiro número do jornal data de 1 de janeiro de 1865.
Texto publicado no Diário de Notícias, Lisboa, 26 de março de 2024, p. 14.
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