Conceber uma ambição para a Lusa - 3

No seguimento da publicação aqui (em 16 de agosto) do meu artigo publicado no "Expresso" de 15 de agosto e do texto de um Leitor (não identificado, mas do meu conhecimento, em 19 de agosto), recebi de Afonso Camões (que foi administrador não executivo da Lusa entre 2005 e 2009, e presidente e administrador executivo entre 2009 e 2014) um longo texto que já tem alguns anos mas que continua a ter grande interessante para compreender a importância da Lusa no contexto mediático nacional e lusófono…

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Cheguei à Lusa no outono de 2005, nomeado como administrador não executivo, em representação do acionista Lusomundo Média, designação do maior acionista privado da agência, que mudou posteriormente para Controlinveste e, depois ainda, para Global Media Group. Em princípios de 2009, fui eleito pela primeira vez presidente e administrador executivo, pela unanimidade dos acionistas, em assembleia geral, tendo sido reconduzido para novo mandato em 2012. Quando em outubro de 2014 renunciei ao cargo, como presidente da Lusa, tinham passado por mim três governos, quatro ministros, os dois últimos sob tutela da troika e do chamado Programa de Assistência e Estabilidade Financeira. 

Porque fui, nessa quase uma década, corresponsável pelo que de bom ou mau aconteceu à Lusa, dou a cara e testemunho sobre a minha visão da agência nos anos que foram de “minha” gestão – procurando fugir à tentação de me esconder por detrás dos biombos do tempo ou das circunstâncias económica e política. E, que fique bem claro, respondo apenas por esses anos. Eis porque boa parte do texto que se segue deve ser lido no seu contexto. São palavras que dirigi aos acionistas na última assembleia geral da empresa, na primavera de 2014, meses antes da minha renúncia.

Serviço público no ADN da agência.  “A Lusa vai a caminho de 30 anos de serviço público. Depois de um longo período de défices crónicos, e apesar da conjuntura de crise e das adversidades do mercado, a agência apresenta resultados positivos há vários anos consecutivos, reduziu fortemente o endividamento e distribuiu dividendos aos seus acionistas, em dois dos últimos cinco anos. A Lusa é, portanto, uma empresa sustentável. 

Resultado da fusão da ANOP e NP, e herdeira da história de várias agências que marcaram a comunicação social portuguesa ao longo de várias décadas, a Lusa é um grossista de informação multimédia, que recolhe, produz e distribui diariamente mais de um milhar de conteúdos noticiosos, nacionais e internacionais. São conteúdos em forma de texto, fotografia, áudio, vídeo e infografia.

A Lusa é, em especial, um distribuidor que serve prioritariamente muitas centenas de meios de comunicação, em território nacional e na diáspora, junto das comunidades portuguesas, mas também para instituições públicas e privadas e para diferentes plataformas: jornais, revistas, rádios, televisões, sítios na internet e, agora de forma generalizada, para todas as plataformas digitais, em especial as móveis.”

Principal parceiro dos media portugueses, em território nacional ou na diáspora, a Lusa constitui um instrumento de coesão nacional e cidadania, e procura servir a estratégia do Estado na promoção e afirmação da cultura e da língua portuguesas no mundo. 

A Lusa afirma também a sua vertente internacional no relacionamento aberto e fraterno que estabelece com as agências noticiosas de países de expressão portuguesa, para cuja formação e desenvolvimento tem vindo a contribuir, mediante protocolos de cooperação e de troca de serviços. 

Ainda no plano internacional, a Lusa é subscritora e beneficiária de protocolos de cooperação e troca de serviços com mais de 30 agências em todo o mundo, e integra uma variedade de organizações: a EANA (European Alliance of News Agencies ), a ALP (Aliança de Agências de Língua Portuguesa), a AMAN (Alliance of Mediterranean News Agencies), é acionista da EPA (European Pressphoto Agency), membro fundador do Minds International e associado do IPTC (International Press Telecommunications Council).

Um euro por ano a cada português. Criada, embora, para prestar um serviço público, não faltou quem defendesse, ao longo dos últimos anos, a privatização do capital da Lusa ou, de forma mais clara, questionasse o custo da agência para os contribuintes. 

A propósito, respigo do noticiário um dos takes sobre a última assembleia geral em que dei a cara como presidente: “A Lusa «custa um euro por ano a cada português», revelou hoje o presidente do conselho de administração da agência de notícias. Em assembleia geral, Afonso Camões dirigiu-se aos acionistas da empresa, pedindo-lhes «não mais dinheiro», mas o «direito à estabilidade e à ambição». 

«Num tempo que é de todas as incertezas, dificuldades e muitas desconfianças, queremos que se saiba que a Lusa custa um euro por ano a cada português», disse Afonso Camões aos acionistas da agência, onde o Estado, com 50,14 por cento do capital, Controlinveste (23,36 por cento) e Impresa (22,35 por cento) detêm as principais participações. 

Na altura, 10,7 milhões de euros era o montante anual pago pelo Estado à Lusa, por conta do contrato de prestação de serviço púbico.  

O presidente do conselho de administração da Lusa disse que a relação contratual com o Estado representa mais de 70 por cento da receita global da Agência, pelo que o corte de 31 por cento no valor do Contrato de Prestação de Serviços Noticiosos de Interesse Público, a partir de 2013, “resulta num óbvio efeito estrutural negativo”, insistindo, por outro lado, na necessidade de internacionalização da empresa.” 

Estabilidade e ambição, dizia eu. Estabilidade, especialmente na relação contratual com o principal acionista e cliente da agência – o Estado Português – e ambição, em particular, na modernização da Lusa e na internacionalização da marca, com reforço da sua presença e influência a toda a largura da geografia da língua portuguesa.

Na sua versão mais recente, a missão basilar da agência está regulada no Contrato de Prestação de Serviço Noticioso e Informativo de Interesse Público, cuja execução é monitorizada pelo Gabinete para os Meios de Comunicação Social, para aferição do seu cumprimento, para além de uma auditoria externa (Universidade do Porto), que avalia o índice de satisfação dos clientes da agência. Ora, os Relatórios Anuais sobre a prestação do serviço público da Lusa têm revelado o seu cumprimento integral, muito acima dos níveis de produção noticiosa contratada, bem como um grau de satisfação dos clientes superior a 95 por cento.  

Pilares estruturantes da agência. De entre as diferentes valências da agência avulta a sua rede de correspondentes – em mais de meia centena de localidades em território nacional, e em 25 países nos diferentes continentes – uma malha capilar, rica pela cobertura de proximidade e em extensão.

Se o traço distintivo de uma agência noticiosa está na sua rede, nos casos da Lusa e da grande maioria das suas congéneres europeias a manutenção da rede de correspondentes depende, quase em exclusivo, do financiamento público

Sem tal financiamento (independentemente da sua dimensão) não haveria rede; e, sem rede, a Lusa deixaria de ser atrativa para o mercado dos media. Estudos recentes revelam que mais de 70 por cento do noticiário de “país” ou “internacional” publicado nos media tem origem nas agências. Acresce que, quanto mais se acentua a crise dos media nacionais, com o generalizado e progressivo corte de custos nas redações, maior a sua dependência relativamente ao noticiário das agências.

A rede de cobertura e o Contrato de Serviço Público são, pois, pilares estruturantes da Agência. Flexível, com grande mobilidade e tecnicamente bem apetrechada, a rede Lusa assegura, é fundamental que assegure, uma informação profissional de proximidade imprescindível ao bom desempenho de qualquer meio de comunicação social. 

Há, porém, desafios que se agigantam. O modelo de negócio fundador da agência, assente na produção de serviços tradicionais (exclusivamente de fotografia e texto), e destinado, por via de assinatura, aos mercados retalhistas de media (jornais, rádios e televisões), tem vindo a definhar e tende para o esgotamento – acompanhando, aliás, ainda que a ritmo menos gravoso, a mesma tendência da maioria das agências europeias, cercadas pela concorrência desleal dos motores de busca e pela progressiva penetração de conteúdos noticiosos gratuitos na internet.

Ora, num tempo crucial em que a generalidade dos nossos meios de comunicação enfrenta desafios de enorme exigência e incerteza, compete à Lusa apoiá-los e prosseguir os esforços de qualificação dos recursos internos, aprofundando a transição dos serviços da Agência para o multimédia, em multi-plataformas – procurando servir mais e melhor, criando novos conteúdos e mercado.

É neste quadro - de constrangimentos mas também de oportunidades - que a gestão da agência (estou a reportar-me aos “meus anos” e aos que me antecederam) tem procurado antecipar os caminhos que, na qualidade de grossista (na produção e distribuição de conteúdos editoriais) prenunciam a sua renovação e o papel de liderança que cabe à Lusa, a montante dos media em geral. 

Inovação e excelência. Foram nesse sentido as mudanças operadas na agência nos primeiros anos desta década, num bem sucedido processo de modernização tranquila. 

Assim foi na digitalização generalizada dos conteúdos (o acervo digital da agência conta hoje com oito milhões de notícias, dois milhões de fotos, 20 mil vídeos, 20 mil audios, quarto mil dossiês de reportagem e 500 infografias). E, muito especialmente, na crescente produção multimédia que permitiu à Lusa servir melhor os seus clientes, apoiando-os no caminho para a convergência de meios.

As ações formação multimédia on the job abrangeram, nesse período, a totalidade dos jornalistas da Agência, então aptos a operar e editar peças áudio e videográficas, para além do tradicional take noticioso em forma de texto.

Se a informação é a pedra angular da agência, a Lusa tem sabido ser, também, um instrumento de coesão. Daí, a aposta no aumento da produtividade noticiosa e numa melhor cobertura geográfica – porque fazer boa agência é pôr o País a falar consigo mesmo.

E, se avaliarmos a produtividade de uma redação pelo número de peças noticiosas per capita, estamos, porventura, perante a mais produtiva redação do País e, também, com um dos melhores rácios de produtividade entre as suas pares agências europeias.

Temos, assim, uma Lusa que é cada vez mais multimédia e com uma rede que, para além de flexível e de grande mobilidade, está hoje equipada com ferramentas digitais de recolha, tratamento e transmissão de som e imagem - e é nesse caminho que tem de investir mais.

O desenvolvimento de um protótipo e a instalação da tecnologia afeta ao sistema editorial Luna (Lusa News Asset), entretanto clonado por outras agências, acelerou a transição para o multimédia, enquanto a introdução de metadadosem todos os conteúdos editados permitiu, na área comercial, a criação de novos produtos e canais para lançar no mercado.

Daí, o reconhecimento generalizado das 27 agências que integram a Aliança das Agências Europeias (EANA), que atribuíram à Lusa o Prémio 2010 de Inovação e Excelência.

Foi também nesse período que a Lusa concluiu o desenvolvimento da plataforma para televisão corporativa, as aplicações para smartphonese passou a disponibilizar também um serviço de infografia e novos sítios internet para os clientes e público em geral.

De entre as empresas que prestam serviços ao Estado, a Lusa é, porventura, a mais escrutinada, em especial pela influência que soube construir a montante dos media de retalho. Assim é na avaliação da credibilidade e relevância das dezenas de notícias que fazem o fio noticioso, a cada hora, mas também na sua tempestividade. 

Durante os meus mandatos, os relatórios de avaliação monitorizados pelo Estado e por uma auditoria externa encomendada à Universidade do Porto revelaram índices de fiabilidade técnica (disponibilização efetiva dos serviços aos clientes) de 99 por cento e um grau de satisfação dos clientes superior a 95 por cento na avaliação do rigor, pluralismo, factualidade e adequação às necessidades dos destinatários dos conteúdos editoriais da agência. 

Em resumo – assinalei eu em assembleia geral – aqui temos o retrato de uma Lusa que é selo de confiança, isento, plural e credível. E retrato, também, de uma empresa que, sem pedir esforço financeiro adicional aos seus acionistas, está a requalificar recursos e aumentar a sua produção multimédia, a distribuir para todas as plataformas e, em especial, uma empresa que está madura para os desafios de um novo modelo de negócio e para crescer: crescer na geografia e mercados de língua portuguesa, crescer em dinâmica comercial, crescer em capacidade tecnológica. 

 

Potencial de crescimento. A Lusa – garantia eu, na primavera de 2014 - tem capacidade para sustentar esse crescimento, sem esforço financeiro adicional dos seus atuais acionistas e com uma filosofia orçamental assente em três pressupostos: 

1.     Estabilidade do Contrato de Serviço Público. Tendo em conta que este contrato representa mais de 70 por cento da atual receita da agência (depende dele o financiamento da Rede Lusa; e sem Rede não há agência), é crucial que o Estado (independentemente dos montantes) renove esta contratação de serviços, preferencialmente por um período mais dilatado, de três para cinco anos, de modo a reforçar a componente de estabilidade orçamental da empresa;

2.     Crescimento da receita, com o lançamento de novos produtos noticiosos e novos clientes em diferentes plataformas digitais; 

3.     E crescimento nos mercados externos, apostando na valorização da marca Lusa e na sua internacionalização. A lusofonia é o espaço natural deste reforço, devendo a Lusa afirmar-se como espaço de excelência no jornalismo, apostando na formação de profissionais no espaço lusófono, exportando know-how e tecnologia, e procurando mais influência e receitas quando o histórico era só de custos.

E, nesse sentido, chegámos a fazer caminho.

 

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