Conceber uma ambição para a Lusa

Portugal não pode contentar-se em dispor de uma agência de informação tão limitada no seu perímetro de ação…


 J.-M. Nobre-Correia

No último dia de julho, o Estado compra participações de acionistas privados na agência Lusa e passa a deter 95,86% do seu capital. Notícia que cai na indiferença geral de um país em férias. E até mesmo numa relativa distração dos média, quando Lusa dispõe em Portugal de um estatuto de monopólio de facto como agência de informação geral. Quando em boa parte dos países vizinhos, a grande agência nacional de informação conta com uma ou mais concorrentes que lhe disputam clientes, propondo abordagens diferentes da atualidade.

Que esta alteração de fundo não tenha “provocado ondas”, traduz bem a inconsistência de um meio político que, na sua maioria, prefere média canalizadores de comunicação oficiosa e não vigilantes atentos e críticos da atualidade. Mas é também o reflexo de um panorama mediático nacional particularmente pobre. Com uma imprensa diária e semanal pouco numerosa, com um conteúdo jornalístico original fraco, tiragens baixas e poucos leitores. E com um audiovisual (rádio e televisão) onde a opinião de “comentadores” todo-o-terreno faz figura de jornalismo, em vez da mais elementar investigação, verificação, perspetivação e análise de factos de atualidade.

Porém, a situação de uma agência de informação quase inteiramente controlada pelo Estado, num país onde a noção de autonomia das instituições públicas não faz parte das práticas correntes, não é uma situação sustentável. Sobretudo se Portugal quer de facto dispor de um instrumento à altura das necessidades dos média como de desejáveis ambições internacionais. Pelo que há que repensar as estruturas de propriedade da Lusa assim como o perímetro da sua ação. Dando-lhe uma dimensão de agência internacional em língua portuguesa baseada na Europa, particularmente voltada para os média, as instituições e as empresas dos países lusófonos.

Conviria assim que o capital da Lusa fosse, por um lado, repartido e, por outro lado, alargado. Repartido entre organizações sem fins lucrativos reagrupando os editores de jornais e magazines, de rádios, de televisões e de média em linha portugueses. Alargado aos outros países de língua oficial portuguesa, reagrupados também em idênticas organizações de média de África, de América e de Ásia-Oceânia. E por que não alargado até a fundações representativas de interesses económicos e culturais? Conservando o Estado português uma mera minoria de bloqueio que lhe permitiria intervir em decisões fundamentais sobre opções estratégicas da agência.

Com esta nova configuração, a Lusa deveria passar a estar presente nos grandes centros urbanos dos países de língua portuguesa, assim como nos países onde a presença de nativos de países lusófonos é importante, e nas capitais de países onde se jogam os destinos do mundo em termos políticos, económicos, socioculturais. De modo a propor uma informação que as pequenas agências locais atuais não têm capacidade de abordar, com centros de interesse e uma sensibilidade diferentes da produzida pelas grandes agências mundiais ou transnacionais. De modo também a propor ao resto do mundo, por intermédio dos habituais acordos entre agências, uma abordagem lusófona da atualidade.

Num momento da história em que, como consequência de recentes evoluções tecnológicas, a informação tomou uma dimensão planetária, os média lusófonos não podem continuar a olhar o mundo com a redutora visão do seu jardinzinho. Até porque, no caso português, as reais dimensões do mercado da informação não são de natureza a sustentar uma agência capaz de alimentar os média com a qualidade de informação desejável. E capaz de rivalizar com agências estrangeiras a que os média portugueses têm atualmente que recorrer para poderem ter acesso a uma mais vasta cobertura da atualidade no mundo…

Professor emérito de Informação e Comunicação da Université Libre de Bruxelles


Texto publicado no semanário Expresso, Lisboa, 15 de agosto de 2024, Primeiro Caderno, p. 39.

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