A incerteza de uma aposta

 J.-M. Nobre-Correia

Lançado há duas semanas, o mais recente diário italiano constitui uma novidade editorial. Fará ele data na história ?…

Nunca há certezas nesta matéria. Muito menos quando o projeto marca uma clara rotura em relação ao habitual. Até porque o potencial sucesso de um jornal depende sempre de uma série de fatores internos e externos. Em termos editoriais, de organização e de gestão, como de distribuição, de contexto sociocultural, de reação dos anunciantes e até de uma atualidade inesperada.

O novo diário romano Domani (Amanhã), lançado fará amanhã duas semanas, constitui manifestamente uma incógnita. Uma enorme incógnita mesmo, tenha ele um financiamento inicial assegurado por Carlo De Benedetti, que doou 10 milhões de euros à sociedade de edição constituída para a circunstância. E, após a fase de lançamento, o capital da empresa será transferido para uma fundação encarregada de garantir a autonomia do jornal.

A leitura dos primeiros 13 números de Domani põe em evidência o facto de o jornal constituir uma novidade em relação à maioria dos congéneres. Mas diários que se distinguem dos outros não são raros em Itália, desde o clássico II Manifesto, lançado em 28 de abril de 1971, até Il Foglio, que veio para a rua em 30 de janeiro de 1996 (um e outro inicialmente com apenas quatro páginas). Diários que procura(va)m propor uma leitura complementar da atualidade, não dispensando nestes dois casos a leitura de outro(s) diário(s) clássico(s).

Desta vez, o novo diário romano parte de um pressuposto: hoje, qualquer cidadão europeu é invadido em permanência pela informação. Informação que lhe é proposta pela rádio, pela internet (através dos telemóveis, das tabletes e dos computadores), e pela televisão. Portanto, os diários impressos (em papel ou em versão digital) perderam largamente a função de anúncio dos factos de atualidade e estarão sempre atrasados em relação ao imediatismo possível do audiovisual e da internet. O que quer dizer que os diários têm que propor mais e propor sobretudo uma produção jornalística diferente: mais diversificada, aprofundada, perspetivada e analisada.

Domani propõe assim aos seus leitores, em 16 páginas (20 no primeiro dia) a um euro, um conteúdo limitado que se pretende ir mais longe do que o simples relato dos factos. Praticando manifestamente uma seleção e uma hierarquização diferentes do habitual. Dando mais importância a temas ambientais, tecnológicos, culturais, por exemplo. E propondo textos que, em muitos casos, têm como autores escritores, historiadores, economistas, politólogos, engenheiros, químicos,…. As seções principais são aliás os “factos”, as “análises” e as “ideias”. Enquanto a publicidade privilegia os anúncios de página inteira, não poluindo assim o conteúdo redatorial vizinho.

Põe-se porém a questão de saber se, numa população de 60 milhões de habitantes, onde a taxa de leitores de jornais sempre foi bastante baixa (…mas mais alta do que em Portugal !), haverá um “leitorado” suficiente importante para fazer viver tal jornal como leitura complementar do que propõem os outros média. Dececionado com a venda do seu ex-grupo de média (e principalmente do diário La Repubblica) pelos seus filhos à família Angelli (à Fiat), De Benedetti tem “os bolsos suficientemente profundos” e uma ambição de “senador” orientador dos destinos da Itália bastante grande, para poder manter em vida esta sua mais recente criação. O futuro desta sua nova aposta é porém demais incerto. E o seu eventual sucesso poderia marcar uma viragem histórica no que se refere ao futuro da imprensa impressa em papel ou em digital…





As páginas 1, 2 e 3 da edição de hoje (segunda-feira 28) de Domani.

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