A melhor defesa é o ataque, pensam eles…

 J.-M. Nobre-Correia

Quando uma “carta aberta”, que poderia ter levado a um diálogo franco e aberto, leva a uma saraivada de tiros de barragem…

De certo modo inesperadas, as reações à “Carta aberta às televisões generalistas nacionais”, publicada no Público de terça-feira 23 de fevereiro, permitem fazer três constatações.

As críticas ferozes à dita “carta” vieram sobretudo dos meios políticos e jornalísticos de direita conservadora e mesmo de extrema-direita. E permitem tirar uma primeira conclusão: estas direitas estão globalmente satisfeitas com a informação jornalística praticada pelas televisões generalistas e mais particularmente pela RTP, que por vezes evocam nas ditas críticas.

Antecipou-se a estas reações da direita conservadora e radical um texto assinado pelo conjunto da direção da informação da RTP Televisão, igualmente subscrita pelo conselho de redação. O que significa que estes subscritores se sentiram particularmente visados, vá-se lá saber porquê…

Os qualificativos usados para fazer referência aos iniciadores e coautores da “carta aberta” põem em evidência a falta de cultura, maturidade e tato dos autores das reações. Falar de censura, de mordaça de salazarismo ou salazarento e mais outros termos da mesma têmpera para se referirem a gente que, em tempos de salazarismo, viveu na clandestinidade, foi prisioneira política, exilada e refugiada política, ou vítima da censura, é no mínimo uma falta de decência. Sobretudo quando tais qualificativos vêm de gente que, tudo leva a pensar, tiveram a sorte de nunca ter conhecido tais situações de repressão.

Uma segunda constatação salta aos olhos: há numerosos antigos jornalistas pré-reformados ou reformados, gozando de um certo prestígio, mas nenhum até agora achou por bem, não necessariamente de dizer maravilhas da “carta aberta”, mas de vir dizer que há de facto um problema que se põe com a informação praticada pelas televisões generalistas portuguesas. Que jornalistas no ativo não o façam, compreende-se perfeitamente: há que evitar problemas internos com a propriedade dos média, com as direções de informação e até com colegas com quem se trabalha. Mas o que explica esta total ausência de reações dos que já estão fora das redações e não contam voltar a integrá-las?…

Acrescente-se a esta ausência o silêncio total de gente geralmente considerada como se situando no centro-esquerda e na esquerda. Será que a questão da informação praticada pelas televisões generalistas do país não lhes interessa minimamente? É o que o silêncio dela deixa preocupantemente entender…

A terceira constatação é sobretudo uma confirmação: os meios jornalísticos, que se permitem falar de tudo e criticar o que muito bem lhes apetece, não suportam os reparos ou críticas em relação ao seu trabalho vindas do exterior, de simples cidadãos, sejam quais forem as competências destes na matéria em questão. E esta realidade, também conhecida nos meios jornalísticos de outros países, toma em Portugal uma dimensão manifestamente exagerada, com a expressão de uma suscetibilidade dificilmente aceitável em democracia…

De qualquer modo, o que parece evidente é que a “carta aberta” provoca numerosas reações — em jornais, em rádio, em televisão e nas chamadas redes sociais — que fazem aumentar consideravelmente o impacto muito para lá do esperado pelos iniciadores e autores do texto. E há quem pense mesmo que isso poderá até constituir o início de um debate sobre a situação dos média, da informação e do jornalismo num país que se tem esquecido há demasiado tempo de abordar esta temática essencial em termos democráticos…

 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Como é possível?!

O residente de Belém ganhou mesmo?

Deixem-me fazer uma confissão