A minha peregrinação

J.-M. Nobre-Correia

Em estadia puramente turística em Cabo Verde, na Ilha de Santiago, considerei ser meu dever de antigo exilado anti-salazarista visitar o Campo de Concentração do Tarrafal, o “campo da morte lenta”.

Lá experimentei então três sentimentos. Primeiro, o horror de saber que tantos homens e mulheres foram ali prisioneiros em condições degradantes que só poderiam ter sido absolutamente terríveis. Muitos lá deixaram a saúde e até a vida. Porque ousaram bater-se pela liberdade e/ou melhores condições de vida, perante um regime de terror e de injustiça, reacionário e fascizante, ostensivamente apoiado pelo clericalismo católico.

Senti depois uma deceção em relação ao limitado aproveitamento pedagógico de tão vasto espaço de caráter museológico. Não seria desejável que houvesse um entendimento entre os governos de Cabo Verde e de Portugal para que seja este a assumir a manutenção de um vasto espaço em que um único funcionário se limita cobrar o direito de entrada (de 200 escudos cabo-verdianos)? Sem limitar no que quer que seja a soberania da Cabo Verde, mas apenas porque é sobretudo à história dos portugueses (mas também de cabo-verdianos e outros africanos, é certo) que tal campo de concentração diz respeito.

Esta hipótese de gestão permitiria evitar um certo vandalismo. Os edifícios principais da entrada estão atualmente cobertos por inscrições mal apagadas, mas tornadas ilegíveis. Enquanto outras ainda visíveis, de caráter político, não parece terem qualquer ligação com a real história trágica do Campo.

A “peregrinação” que eu evoquei no próprio dia 27 de setembro no Facebook, sem dizer do que se tratava — o que levou a que houvesse quem receasse pelas minhas opções laicas e anti-clericais! —, foi de facto uma iniciativa de homenagem aos 340 anti-salazaristas que lá estiveram presos entre 1936 e 1956 (dos quais 32 lá morreram) e aos 230 anticolonialistas que também lá foram encerrados entre 1962 e 1 de maio de 1974. Uma modesta homenagem aos que resistiram, sofreram e morreram para que possamos hoje viver em liberdade

  

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