Ilustração de uma deriva…

 J.-M. Nobre-Correia

O fim de semana que passou foi particularmente significativo de como está a evoluir cada vez mais o jornalismo praticado em Portugal…

Assim o caso das primeiras páginas do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias de ontem, domingo 29 de outubro. Em princípio, o primeiro é um jornal que se quer de “referência”, apesar do manifesto raquitismo da redação, reduzida a apenas 20 jornalistas (…a comparar com os 540 atualmente do parisiense Le Monde e os “mais de 400” do madrileno El País[1]), e o magro conteúdo que propõe diariamente aos seus leitores. Enquanto o segundo é, em termos sociológicos, um jornal “popular” de gama média-baixa.

Ora, estes posicionamentos editoriais diferentes supõem seleções diferentes dos factos a propor ao leitor, assim como tratamentos jornalísticos diferentes caso haja factos que sejam propostos num e noutro. Por outro lado, um diário “de referência” tem que privilegiar a atualidade política, económica, societal e cultural, relatada num tom sóbrio, enquanto um “popular” dará a preferência ao social, aos faits divers e ao desporto, recorrendo a um certo sensacionalismo.

Dito isto, o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias puseram ontem nas suas primeiras páginas a mesma fotografia de um acontecimento com 60 anos: o casamento de um antigo primeiro-ministro e presidente da República. Assunto eventualmente aceitável numa conceção bastante rasteira de um jornalismo “popular” (mais no estilo de um Correio da Manhã), mas totalmente incompreensível no que diz respeito a um jornalismo que se quer “de referência”.

A não ser que estas primeiras páginas de ontem, postas em relação com as mudanças recentes no capital do grupo Global Média e as anunciadas em termos de direção editorial, nos queiram deixar antever uma próxima progressiva fusão dos dois diários de Lisboa e do Porto, mantendo embora cabeçalhos diferentes e áreas de difusão geográfica diferentes. Ou então, mais simplesmente, uma partilha de conteúdos cada vez maior entre dois jornais do mesmo grupo, quando, historicamente, os posicionamentos editoriais deles eram apesar de tudo diferentes.

Qualquer destas duas hipóteses suporia uma regressão do posicionamento editorial do Diário de Notícias, deixando então o campo livre a um Público sem concorrência, o que não constituiria propriamente uma boa notícia para o já reduzidíssimo pluralismo da imprensa diária e até dos média de informação em Portugal…




 



[1] Ver a este propósito o meu recente Média e Jornalismo em Portugal, Coimbra, Almedina, 2023, pp. 47-48.

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