Uma anomalia interessante

 J.-M. Nobre-Correia

Circula por aí uma classificação (perdão: um “ranking”, em português modernaço americanizado!) dos jornalistas que são particularmente apreciados pelas agências de comunicação (conhecidas antes pela terminologia mais explícita de “relações públicas”). E há até um jornal económico que, muito estranhamente, não tem pejo algum em vangloriar-se de ter ficado tão bem classificado, sendo “um dos meios de comunicação social com menções por parte dos profissionais de agências de comunicação quando questionados sobre os ‘jornalistas que mais admiram’”, como está escrito no seu próprio sítio (perdão: “site”, saite) na internet!…

Ora, esta classificação e a sua publicação são, na sua anomalia, particularmente interessantes. Pela boa e simples razão que põem em evidência o descalabro em que se encontra a informação dita jornalística em Portugal. Uma informação altamente instrumentalizada pelas mais diversas “assessorias de comunicação” de instituições e empresas, de partidos, sindicatos, ordens profissionais e clubes desportivos, por exemplo. Uma informação em que os média se limitam muitas vezes a fazer uma toilette mais ou menos elementar, de modo a adaptarem os documentos transmitidos pelas assessorias ao estilo particular de cada redação. Sem que, na grande maioria dos casos, tenha havido o mais elementar trabalho prévio de verificação, enquadramento e análise por parte das redações do que é afirmado em documentos sempre concebidos de maneira positiva em relação a quem paga a assessoria.

A fragilidade das redações dos média de informação em Portugal, sobretudo em termos quantitativos, mas também no que se refere a competências, faz que a capacidade de intervenção das assessorias no estabelecimento das “agendas” dos média e no modo como os assuntos serão propostos ao público, seja por demais evidente. Um assunto que abordo nas páginas 142-151 da minha Teoria da Informação Jornalística, e agora nas páginas 56-59 do recentíssimo Média e Jornalismo em Portugal (ambos publicados pela Almedina). Enquanto os altos responsáveis deste pobre país vão tirando proveito de tal situação e, desde logo, recusam tomar consciência dos efeitos trágicos que ela incontestavelmente tem sobre o estado da Democracia portuguesa…

 

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