Assim se foi destruindo o património…

J.-M. Nobre-Correia

Quando, por uma razão ou outra, entro naquela que é agora designada como “Sala de Imprensa” do Casino Fundanense, experimento invariavelmente um sentimento de tristeza, de nostalgia e de revolta…

É que, aquela enorme sala vazia — onde se encontram apenas umas poucas máquinas da velha tecnologia tipográfica, inclusivamente uma interessante cópia do prelo de Gutenberg — era antes uma bela sala de teatro à italiana. Com plateia, frisas, balcão, camarote, geral e o seu enorme pano de cena vermelho escuro. Uma bela sala de teatro onde havia cinema (três vezes por semana, se bem me lembro) e algumas vezes espetáculos de teatro e de música. Uma sala que continuou a projetar filmes mesmo depois de ter sido inaugurado em 1958 o Cine-Teatro Gardunha, construído por iniciativa do ex-emigrante António Solipa Pereira. Até que fechou, a demografia do Fundão, e até provavelmente a capacidade financeira das suas gentes, não sendo de natureza a permitir a existência de duas salas de cinema.

O Casino Fundanense deixou assim de propor a projeção de filmes. E, sem que se soubesse verdadeiramente quem eram os descendentes dos sócios de origem da instituição criada no século XIX, por iniciativa de José Germano da Cunha, e até mesmo os seus representantes legais, “Senhores da Terra” houve que resolveram esvaziar radicalmente toda a parte posterior do Casino onde se situava a dita sala de teatro. E, em vez dela, sinal do “modernismo” então reinante, fizeram instalar uma placa em betão armado.

Nos baixios desta nova parte posterior foram instalados um pseudo-museu arqueológico não aberto ao público (distante antepassado do atual Museu Arqueológico José Monteiro) e uma pseudo-biblioteca totalmente desprovida de livros contemporâneos (também ela distante antepassada da atual Biblioteca Municipal Eugénio de Andrade). E, ao nível do primeiro piso, uma enorme sala vazia, sem decoração de espécie nenhuma, destinada de facto a uns raríssimos bailes e sobretudo a  espontâneos bailaricos de jovens na época das férias de verão…

Que se saiba, estas iniciativas modernaças tiveram lugar sem que se tenha procedido a qualquer estudo prévio sobre o destino social ou cultural a dar a um edifício magnificamente situado em pleno coração do Fundão, fazendo frente ao pombalino edifício da Câmara Municipal, do outro lado do jardim. Enquanto, nesses tempos em que “nem uma agulha bulia na quieta melancolia” do salazarismo, as gentes do Fundão assistiram impávidas e serenas à destruição de um património arquitetónico de que, devidamente renovado, poderiam orgulhar-se hoje

  

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