Como foi e é possível?

J.-M. Nobre-Correia

Anda por aí uma rajada de tiros no Facebook e noutros sítios na internet sobre a atitude que Aníbal Cavaco Silva tomou hoje.

Cavaco Silva assistiu à cerimónia da tomada de posse de Marcelo Rebelo de Sousa, no seu segundo mandato de presidente da República. Depois abandonou o edifício da Assembleia da República sem cumprimentar Rebelo de Sousa, como tinha o dever de fazer por razões do mais elementar sentido de cidadania, de respeito democrático e de pura boa educação. Até porque aceitou o convite para assistir à cerimónia, quando, discretamente, poderia muito bem não ter-lhe dado seguimento.

Vivi a minha vida profissional toda no estrangeiro, bem antes e depois do 25 de Abril e só voltei a instalar-me em Portugal durante o último mandato de Cavaco da Silva como presidente da República. O tempo suficientemente para me surpreender, espantar e chocar com as atitudes e os discursos do personagem considerado, no entanto, como “o primeiro magistrado da nação”!

Mas aquilo que mais me impressionou e continua, de certo modo, a constituir um enigma para mim é o que levou o povo português a elegê-lo durante um total de vinte para as mais altas funções políticas do país. Como foi possível que tal personagem tenha assumido a função de primeiro-ministro durante dez anos e a de presidente da República durante mais dez outros anos? Só a história política e sociocultural deste povo português permitirá possivelmente encontrar uma premissa de resposta a tal interrogação…

Outra interrogação me interpela: como é possível que Cavaco Silva, que ocupou as mais altas funções do Estado durante quase metade dos anos de vivência em democracia deste país, não se sinta largamente responsável por uma situação geral que ele tanto crítica? Só uma alta dose de desonestidade intelectual e de arreigado cinismo poderão muito provavelmente explicar tal atitude.

Nos mais de 54 anos em que sigo diariamente os média de vários países europeus, nunca por nunca ser descortinei comportamentos e ouvi discursos tão desprovidos de qualidade, tão miseráveis, de um (ex-)chefe de Estado, seja ele presidente de República, rei ou grão-duque. “Mas foram os portugueses que o elegeram”: é isto precisamente que é deveras significativo e altamente preocupante sobre o estado da democracia portuguesa!…

 

Comentários

  1. P - Como foi possível que tal personagem tenha assumido a função de primeiro-ministro durante dez anos e a de presidente da República durante mais dez outros anos?

    R - Masoquismo.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Como é possível?!

O residente de Belém ganhou mesmo?

Deixem-me fazer uma confissão