É o capitalismo selvagem, pá!

J.-M. Nobre-Correia

Voltando a casa, depois de algum tempo de ausência, acende-se um televisor e depara-se com a seguinte mensagem: “este canal deixou de estar disponível em sinal analógico”. E vêm em seguida uma série de instruções escritas em função de diferentes marcas de aparelhos recetores. Instruções sem a mínima imagem vídeo e que, manifestamente, para nada servem: o televisor deixou alegremente de dar qualquer sinal de vida!

Há pois que ir a uma loja NOS e, depois de algum tempo de espera, dizem aos clientes que já não há mais descodificadores! Que novos descodificadores deverão em princípio chegar hoje às 11h00. Mas, claro, tem que se fazer de novo a bicha (não!, não!: agora tem que se dizer fila!). Chegado às 10h55 e tirada a senha, já havia onze pessoas à espera e uma só senhora a acolher os clientes.

O cliente que já estava a ser atendido, cedeu o lugar 25 minutos depois de eu ter chegado. Fiz rapidamente um cálculo e a conclusão foi de que teria que esperar umas duas horas e meia pela minha vez! Permiti-me então dizer cordialmente à senhora se não seria bom pedir à empresa o envio de mais empregados para atenderem os clientes. Mas manifestamente ela não tinha autorização para ousar sequer formular tal pedido…

Seis caixas com uns 84 descodificadores chegaram por fim pelas 11h30. E a única empregada teve que as abrir e passar cada um dos ditos aparelhos pelo leitor ótico digital. O que levou a que houvesse quem protestasse nem sempre com a desejável calma e muitos foram sucessivamente desistindo, até porque se aproximava a hora do almoço (…e mais exatamente: de fazer o almoço!) e havia quem dissesse estar à mais de hora e meia à espera! O que provocou uma discreta crise de lágrimas da senhora quando foi pela última vez buscar um novo caixote de descodificadores ao elevador da loja. Por volta das 12h30 sou então recebido. Para ter de novo acesso às emissões de televisão é preciso paga um euro mensal ou adquirir um descodificar por 24,99 euros!

Toda esta cena me fez concluir que o bom capitalismo selvagem se encontra de excelente saúde em Portugal! Assim a NOS decide soberanamente alterar a tecnologia de difusão dos programas de televisão. Decide soberanamente que, para além da assinatura mensal, os clientes terão doravante que pagar um suplemento mensal (durante uma duração de tempo indeterminada, se bem percebi) ou comprar um descodificar complementar. Como, se bem me lembro de estatísticas recentes, a NOS tem centenas de milhares de assinantes em televisão, imaginem o gigantesco aumento de receitas da dita empresa!

Ora, apesar desta decisão unilateral soberana, a NOS não procurou pôr à disposição dos seus clientes um número suficiente de descodificadores, de modo a evitar mais de uma deslocação dos clientes às suas lojas. Como não procurou que os seus clientes fossem atendidos por um pessoal suficientemente numeroso, de modo a evitar um manifestamente exagerado tempo de espera para serem atendidos: há que explorar ao máximo um mínimo de pessoal! Até porque os clientes são de facto clientes cativos, praticamente impossibilitados de fazer outras opções do que aquelas decididas pela NOS…

Chama-se a isto capitalismo selvagem no seu melhor (ou no seu pior, como queiram). Perante a passividade de um Estado democrático que, neste como noutras sectores de atividade económica, não ousa sequer impor regras em clara defesa dos seus cidadãos. O que, diga-se em abono da verdade, foi desde sempre demasiado habitual neste nosso Estado de direito do pós-25 de Abril…

 

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