Em homenagem a J. Alferes Gonçalves

J.-M. Nobre-Correia

Não é fácil. Nada fácil mesmo decidir regressar a Portugal depois de se terem feito os estudos superiores e a carreira profissional inteiramente no estrangeiro durante mais de 45 anos. Sejam quais forem as razões do regresso, o estatuto de estrangeirado-retornado é visto, por uns e outros, com desconfiança. E o titular de tal estatuto mantido devidamente à distância…

No que me diz respeito, a distância do meio jornalístico e mediático é clássica em relação a quem se ocupa destas áreas em termos académicos: eles que escrevem e falam de tudo, não aceitam que gente exterior ao meio se permita falar e escrever sobre eles. E quando à distância dos académicos, várias hipóteses de explicação são possíveis: ponha o Leitor a imaginação especulativa no poder!…

João Alferes Gonçalves, que faleceu ontem, era um jornalista diferente da grande generalidade dos profissionais da área. Responsável do Clube de Jornalistas em linha (de que tinha feito um sítio de consulta diária obrigatória), começou muito cedo, sem que nos conhecêssemos, a dar fielmente eco aos textos que eu ia publicando em diferentes línguas, mas sobretudo em francês e em português, sobre a informação jornalística e os média.

Muito cedo viemos a ter contactos telefónicos frequentes. E, por ocasião de uma das minhas estadias em Portugal, convidou-me para participar num debate do Clube de Jornalistas na RTP 2, com o professor e “comentador” Marcelo Rebelo de Sousa e o jornalista fundador do Público Vicente Jorge Silva, em 14 de janeiro de 2009. Foi esta a primeira vez que o encontrei. E voltei a encontrá-lo apenas uma segunda vez quando, já depois de me instalar em Portugal, o convidei para almoçar num restaurante à beira do Tejo.

Os nossos contactos foram pois quase unicamente telefónicos ou por correio eletrónico. Mas foram contactos muito frequentes (…e quase sempre intermináveis!) até à sua derradeira hospitalização. Admirava eu em João Alferes Gonçalves o homem discreto educado e de tom sereno, excelente conhecedor dos aspetos teóricos e práticos do jornalismo e do meio mediático, de que era um observador extremamente crítico, no melhor sentido da palavra.

Nestes últimos anos, João Alferes Gonçalves viveu manifestamente uma vida particularmente difícil em termos sociais e sobretudo em termos médicos. Uma existência muito dolorosa, bastante isolado, mas, pudicamente, sem nunca se queixar. Nestas ultíssimas semanas, o telemóvel dele deixara de estar acessível e eu imaginara uma agravação do seu estado de saúde. Ontem ao fim da tarde, a única pessoa que eu sabia estar também em contacto com ele, anunciou-me o seu falecimento.

Aqui fica pois a minha homenagem ao profissional e ao intelectual lúcido que era João Alferes Gonçalves. E o meu profundo agradecimento a um homem que soube cordialmente acolher o estrangeirado-retornado que sou e que não posso nem quero deixar de ser…

  

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