Como explicar esta indiferença?
J.-M. Nobre-Correia
O Global Media quer despedir 150 a 200 trabalhadores. Pondo assim em questão o futuro do Diário de Notícias, do Jornal de Notícias e da TSF…
Ontem o Jornal de Notícias, do Porto, não foi publicado. O seu pessoal estava em greve e desfilou pelas ruas da cidade. Uma cidade “apática, indiferente, distante”, a acreditar no texto publicado no Facebook por um jornalista de reconhecidos méritos que acrescentava: “Que Porto é este que se incendeia pelos desentendimentos da bola e não sai à rua pela defesa do JN, enquanto é tempo?”
Esta interrogação circunstancial tem de facto uma dimensão bem mais larga. O que leva as gentes da cidade e da região portuense a deixarem morrer O Comércio do Porto e O Primeiro de Janeiro, e a nem sequer sair agora à rua em apoio ao Jornal de Notícias, o último diário generalista a ser ainda publicado no Porto? Poderá a segunda maior cidade do país, a autointitulada “capital do Norte”, não dispor de pelo menos um grande diário de informação geral?
Reparem em Barcelona, em Marselha, em Milão e por aí fora e por aí fora: todas estas segundas cidades mais importantes contam com um e até mais do que um diário generalista. Em Portugal, Coimbra e Braga contam com mais de um diário generalista. O que terá acontecido no Porto para que se tenha chegado a uma situação tão preocupante?…
Para além de algumas particularidades, o caso do Porto é consequência de uma trágica evolução da situação da imprensa em Portugal no após 25 de Abril. Os diários e semanários de informação geral passaram a ser tomados de assalto por gente que, na maior parte dos casos, não sabia minimamente o que era administrar uma empresa de edição, nem conhecia as mais elementares regras da prática jornalística.
Como se isso não fosse já inquietante, as direções administrativas e redatoriais foram-se sucedendo por vezes a uma estonteante rapidez. Movimentos que impediram consolidações de projetos editoriais, fazendo perder aos jornais a indispensável coerência jornalística e os laços de confiança que tinham com os seus leitores habituais. Leitores que foram assim abandonando jornais que “faziam parte da família”, do tempo dos pais e até dos avós.
Depois, os jornais enveredaram quase sempre por uma prática de porta-vozes oficiosos de meios dirigentes políticos, económicos, sociais, culturais, desportivos. Deixando largamente de ir “para o terreno”, auscultar a vida quotidiana dos cidadãos, dando eco às suas preocupações como às suas ambições. E os cidadãos foram-se lentamente desligando de uma imprensa que não falava do mundo deles.
Ao que parece, o Porto “não sai[u] à rua pela defesa do JN”. Os dirigentes do Jornal de Notícias e os seus jornalistas deveriam pois interrogar-se sem complacência sobre o que poderá explicar tal indiferença da parte dos portuenses perante o destino do único diário que lhes resta…
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