Reequacionar a abordagem

J.-M. Nobre-Correia

Captar o burburinho do mundo de outro modo, explorar o potencial de novas ferramentas e escrever numa linguagem capaz de seduzir novas gerações…

Um dos “grandes” grupos de média portugueses foi objeto de importantes alterações na propriedade do capital. Pelo que a composição do seu conselho de administração foi modificada. E os novos responsáveis acharam por bem proceder rapidamente a um “despedimento coletivo” de 150 trabalhadores, iniciativa que tem tido numerosos antecedentes no mundo dos média, e mais particularmente da imprensa escrita, por essa Europa fora.

Para esta maneira de proceder é dada quase sempre a mesma justificação: a crise económica dos média. Crise para a qual são avançadas explicações conhecidas: proliferação do sector audiovisual a partir dos anos 1970, com a inevitável fragmentação das receitas entre numerosos atores; crise dos investimentos publicitários, consequência de movimentos de fundo que alteraram fortemente a partilha entre imprensa e audiovisual, mas também de repetidos sobressaltos da atividade económica e financeira; aparecimento da internet em fins dos anos 1990 e proliferação gigantesca de novos média que absorveram boa parte dos antigos leitores, ouvintes e espectadores, assim como receitas que foram abandonando os média tradicionais.

Outra explicação de que pouco se fala é a dificuldade de muitos administradores e diretores de redação em compreender a dimensão das mutações que atravessam o mundo dos média de informação. E nomeadamente duas: os cidadãos têm agora diretamente acesso gratuitamente a factos e a opiniões de toda a espécie, a todo o momento, onde quer que se encontrem; e, por seu lado, as empresas e as instituições deixaram de precisar dos média tradicionais para comunicar com clientes ou utentes, injetando diretamente as suas comunicações na internet.

Desde logo, os média de informação têm que ser repensados e reposicionados em termos editoriais, sociológicos e económicos. Nas publicações escritas, diárias ou periódicas, impressas, em PDF digital ou até mesmo em linha, a prioridade já não é anunciar os acontecimentos, até porque os cidadãos já tomaram conhecimento deles pelos mais diversos intervenientes na internet, assim como pela rádio ou pela televisão. Há pois que propor aos potenciais compradores-leitores abordagens diferentes da atualidade. O que supõe um reequacionamento dos assuntos, com uma seleção e uma hierarquização diferentes, com horizontes temáticos mais vastos, mas sobretudo com um tratamento dos factos diferente em termos de interpretação, de análise e de escrita, que se traduza em conteúdos com uma mais valia indiscutível.

Paralelamente, perante a nova geografia mediática, a imprensa escrita tem que adotar um novo modelo económico, nomeadamente em termos de preços praticados e de promoção das assinaturas junto de públicos novos. Públicos mais jovens e naturalmente utentes quotidianos de telemóveis, tabletes e computadores. Públicos com um nível de instrução que lhes permita fazer a diferença entre informação não-jornalística e informação produzida segundo critérios jornalísticos por redações de indiscutível competência, dotadas de equipas capazes de proceder às desejáveis seleção, verificação, hierarquização, interpretação e análise dos factos de atualidade. O que supõe, bem mais do que antes, um reforço substancial destas equipas em termos quantitativos como de competências diversificadas. A evolução nesta matéria na Europa é aliás bastante significativa: os grandes diários “de referência” nunca tiveram redações tão numerosas, nem tantos assinantes e leitores em papel, computador, tablete e telemóvel.

É certo que, apesar do caso dos diários “de referência”, a difusão global das publicações escritas impressas terá tendência a diminuir, passando a ser aquilo que foram até meados do século XIX: produtos de luxo destinados a públicos com um nível de instrução superior, exigentes em termos de conteúdo e capazes de pagar um preço relativamente elevado pelo que lhes seria dificilmente acessível de outro modo. As placas tectónicas do mundo mediático deslizaram. Há pois que reequacionar a nova arquitetura de modo a responder às necessidades dos cidadãos que esperam que os jornalistas lhes permitam compreender como vai o mundo e como interpretar a complexidade da sociedade em que vivem…


Professor emérito de Informação e Comunicação da Université Libre de Bruxelles.


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