A indispensável redefinição

J.-M. Nobre-Correia

Nestes últimos meses, o lado bastante insatisfatório da informação e dos conteúdos propostos pelos média tornou-se mais evidente…

O ano que findou, com a horrível pandemia que nos assolou e a campanha eleitoral que começou, pôs particularmente em evidência as insuficiências do panorama mediático português, do jornalismo que nele se pratica e da programação que o audiovisual propõe.

Manifestamente, há urgência em redefinir prioritariamente os contornos, as estruturas de funcionamento e as missões dos serviços públicos de rádio, de televisão e em linha; e em redefinir também os critérios de exigência técnica e cultural de contratação do seu pessoal. Como há que procurar absolutamente relançar uma imprensa por ora extremamente frágil, exageradamente pouco plural (não há uma só publicação dita « nacional » com uma sensibilidade levemente progressista !) e nada « regionalizada », de modo a que a informação dos cidadãos não continue a ser exclusivamente concebida pelos microcosmos de Lisboa, sobretudo, e, em menor medida, do Porto. E pensar também, depois, em redefinir absolutamente os contornos das paisagens radiofónica e televisiva, em termos de propriedade e de programação, impondo-lhes cadernos de encargos (como se faz noutros países europeus de velha tradição democrática) que nos possam garantir um pluralismo democrático de informação e de conteúdos.

É certo que a dolorosa e trágica pandemia que vivemos não é de modo algum de natureza a grandes iniciativas do poder político legislativo ou executivo. Tanto mais que, desde há quase um ano, as prioridades do governo são naturalmente de ordem sanitária, enquanto os meios financeiros de que dispõe são largamente absorvidos pelas consequências económicas e sociais da pandemia.

Também é verdade que o mundo político europeu (e por conseguinte português) hesita sempre muito em tomar iniciativas no campo mediático, receando os seus responsáveis desencadear campanhas hostis e serem « postos no cemitério » (como dizem os francófonos), quando as suas carreiras políticas dependem fortemente da imagem que os média dão deles. Mas a situação em Portugal é de tal modo trágica e preocupante que a intervenção dos poderes legislativo e executivo no sector não poderá mesmo ser eternamente adiada.

« Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o amo e o servidor, é a liberdade que oprime e a lei que liberta », dizia no início do século XIX Henri Lacordaire, religioso dominicano, que afirmava também : « a liberdade só é possível num país em que o direito se sobrepõe às paixões ». Há pois que legislar pausadamente, maduramente, competentemente, de modo a que os cidadãos deste país, quase meio século depois do regresso da liberdade e da democracia, possam enfim ter direito a uma informação jornalística de qualidade e a programas audiovisuais que os divirta sem os embrutecer

 

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